terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ajude a fazer o Morellianas

Assim como os leitores de Cortázar, gostaria que os leitores do Morellianas tivessem inciativa de participação. Por isso, como meus textos estão acabando, gostaria de convidar os leitores do blog a participar, enviando seus próprios textos (não-acadêmicos, por favor!) para o nosso contato abaixo (coloquei como uma imagem para driblar os spambots).

Participe!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Un elogio del 3

Capa de Obras Completas, volume IV: Poesía y poética

                Dizer que Cortázar era um cara bem heterodoxo (ou, muito mais ao estilo dele, um piantado) não é dizer nada novo. Mas se a gente tomar a coisa por um lado um pouco menos explorado, a afirmação pode ser mais precisa e muito mais interessante. Por exemplo, quantos “elogios” vocês já não viram por aí?
                Além daquele do Erasmo de Rotterdam, “Elogio da Loucura”, encontrei, numa busca rápida, vários outros livros chamados Elogio a alguma coisa: da traição, da beleza atlética, da corrupção, da filosofia, da loucura, da madrasta (bom livro do agora “nobelado” Vargas Llosa), da mentira, do silêncio (esse eu gostaria de ter escrito)... Elogios de coisas concretas ou abstratas, mas nunca um elogio como o que Cortázar escreveu: o elogio ao número três.
                “Um elogio del 3” é um livro-poema bastante curto, mas também bastante contundente e de grande qualidade, em que o três (não só o número, mas principalmente a quantidade, a figura, a simbologia do três) é louvado (“(...)três / que es musica y triangulo y escândalo”), tornando-se um elogio à vida e aos valores que Cortázar mais apreciava (“El hombre rebelandose y riendo contra El sudor contra la muerte”), lembrando até as ideias das individualidades que formam uma figura que é menos e mais do que elas (como em “Os prêmios”, por exemplo).
                O texto é ilustrado por imagens de barras coloridas: no princípio, uma, depois, duas e por fim, na maioria das páginas, obviamente, três. Coloridas: amarela, azul e vermelha.
                Pura poesia (linguística e visual). Puro Cortázar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Pameos y meopas

Estojo de Obras Completas, volume IV: Poesía y poética

            Todos os livros de Cortázar precisam ser lidos com algo mais que o intelecto. É necessário contar com a sensibilidade, com a interpretação, com o senso de eufonia. Mas quando o livro é um livro de poesias, isso é ainda mais importante.
            Posso atestar isso porque não conheço o idioma espanhol suficientemente para ler um livro de Cortázar sem precisar de um dicionário. Mas no caso dos poemas, quando se presta atenção ao som, quando pomos nossa sensibilidade e esforço interpretativo juntos, tudo isso supera as dificuldades da língua e recria as imagens preciosas pensadas por Julio.
            “Pameos y meopas”, que já nos “testa” desde seu título brincalhão, é dividido em cinco partes: I – Larga distancia (París, 1951-1952), II – Razones de la cólera (Buenos Aires, 1950-1951; París, 1956), III – Preludios y sonetos (Buenos Aires, París, 1944-1957), IV – Cantos italianos (Roma, 1953), V – Grandes máquinas (Buenos Aires, París, 1950-1955) e VI – Circunstancias (París, 1951-1958). Comento, a seguir, alguns dos poemas que mais me chamaram a atenção e que mais me cativaram a afeição.
            O livro começa com uma nota (ou prólogo ou como queiram) de Cortázar, intitulada “Por lo demás es lo de menos”, datada de 1971 e em que já lemos um Cortázar preocupado com as questões sociais e culturais (cita até artistas brasileiros: Drummond de Andrade, Caetano Veloso e Glauber Rocha), reconhecendo que a poesia, a expressão poética e artística, mais amplamente, mudaram e que estamos em um tempo em que os grafitti e os happenings também são poesia. Um relato de, como se chama o próprio Cortázar nesse texto, “un argentino que todo quiso leer, todo quiso abrazar”.
            “Larga distancia” é, para mim, a mais bonita das seções do livro, com seus poemas em que o amor e saudade são os temas principais (“Todo mañana es la pizarra donde te invento y te dibujo” diz em “Poema”; em “Restitución”, declara: “En la memória llevo gestos, el mohín / que tan feliz me hacía (...)”). Chegam a ser tristes, melancólicos os poemas dessa parte do livro, mas, de qualquer maneira, muito bonitos.
            Em “Pavadas”, já em “Razones de la cólera”, vemos outro aspecto importante de Julio, o desterrado, o exilado, quando diz, depois de explicar que uma árvore cortada jamais enganará os pássaros, que:

Al hombre desterrado
no le hables de su casa.
La verdadera patria
cara la está pagando.

(Embora JC nunca tenha sido expressamente expulso da Argentina, sentia-se como se tivesse, porque não podia voltar lá com liberdade, nem sequer publicar seus livros na íntegra.)
            “Preludios y sonetos” começa com um poema que trata de outra questão cara a Julio: “El poeta” reafirma sua crença de que para fazer parte da luta não é necessário pegar em armas e que com seus textos ele também combate, porque nunca alienou suas obras do momento histórico em que eram escritas.
            O poema seguinte é “Tratado de sus ojos”, muito lírico e cândido, comparando um olhar a um oceano subitamente singra; e a seção termina com “Ronda”, poema cheio de estímulos sensoriais, com a presença frequente do aguaribay (uma espécie de aroeira, pelo que entendi).
            A parte IV, “Cantos italianos” tem poemas de estilo mais clássico, pelo menos em sua temática, como Menelau e os locais italianos.
            Como li “Pameos y meopas” na edição das Obras Completas, publicadas pela Galaxia Gutenberg, poemas publicados em livros anteriores não são repetidos; em vez disso, há uma referência às páginas que contêm esses textos (o que faz a gente pular como se estivesse lendo “O jogo da amarelinha”). Em “Grandes Máquinas”, seção que inclui poemas já publicados em “Salvo el crepúsculo”, há apenas três poemas, mas todos muito extensos, além de duas citações entre eles, uma de Faye Kicknosway (bem sinestésica) e outra de Dylan Thomas. “Notre-Dame la nuit” e “Los vitrales de Bourges” falam de lugares franceses pelos quais, parece, Cortázar tinha muito apreço e certa fascinação. Masaccio refere-se ao pintor italiano, o que me faz pensar que todos esses poemas têm relação com o sagrado.
            O livro fecha com “Circunstancias”, seção que conta apenas com dois poemas curtos, duas quadras; uma delas, “El sueño”, trata de um tema muito comum nas histórias de Cortázar: o mundo dos sonhos. Reproduzo:

El sueño

El sueño, esa nieve dulce
que besa el rostro, lo roe hasta encontrar
debajo, sostenido por hilos musicales
el otro que despierta.