Estojo de Obras Completas, volume VI: Obra crítica
Julio Cortázar é visto, mais do que como um grande contista ou romancista, como um grande ficcionista. É sensível a liberdade criativa que ele sentia para com seu trabalho; não diria inventando novas realidades, mas, sim, se permitindo lançar à realidade os enfoques que surpreenderiam o leitor.
Talvez por achar que os textos políticos de Cortázar não têm essa característica, há leitores que pouco ou nada se interessam por eles. Esse é um grande erro. E “Argentina: Años da Alambradas Culturales” é a prova disso.
O interesse de Julio pela política foi maior no fim de sua vida, quando se engajou nos processos democráticos de países da América Latina. Aliás, “Argentina: Años de Alambradas Culturales” é um livro póstumo; apesar praticamente pronto antes de sua morte – Julio chegou, inclusive, a escrever a introdução para o livro, em janeiro do ano de sua morte, 1984 –, só foi publicado em setembro do mesmo ano. Provavelmente por isso, as reflexões contidas nesse livro me parecem mais maduras do que as de “Nicarágua tão Violentamente Doce”.
Mas nem a idade, nem a seriedade do assunto privaram Cortázar de seu vigor imaginativo e de sua capacidade de criar imagens que, longe de desrespeitar a gravidade das questões geopolíticas, são divertidas e comunicam muito bem a mensagem. Exemplo disso está logo na introdução, quando JC compara a mentalidade de grande parte do povo de então (os texto são das décadas de 1970 e 1980) com um coador invertido, por força e vontade dos regimes militares, fazia com que o macarrão escorresse e só ficasse para o povo a água morna,
Os textos do livro são divididos em duas seções: “Del exilio com los ojos abiertos” e “Del escritor de dentro y de fuera”; o próprio JC explica em sua introdução: “(…)la primera serie toca esencialmente al exilio como eje y motor de una denuncia constante de los crímenes de la junta militar; la segunda —se trata muchas veces de informes leídos en congresos, colegios universitarios y tribunales internacionales— enfrenta más directamente las obligaciones de un intelectual en este momento de la historia latinoamericana. Poderia falar de todos, mas seria uma tarefa longa e não faria justiça à profundidade dos textos, então prefiro dar uma visão geral do livro, seguido de comentários sobre algum ou outro texto que me chamou mais a atenção.
Apesar de, vez ou outra, toparmos com algum texto mais complexo, em geral os escritos desse livro são bastante compreensíveis. Até porque, como Cortázar reitera durante boa parte dos textos, é essencial que a revolução, que as mudanças, falando de maneira mais ampla, não sejam apenas algo discutido entre os intelectuais, mas que seja transmitida para o povo em geral, para que possam ser implementadas, não apenas servirem de objeto de análise teórica.
Algumas ideias que Julio discute e que me parecem dignas de contar como pontos altos do livro são: “(...)historia no tanto como mero pasado sino como preparación y previsión del futuro”; pensamento crítico sobre a linguagem como instrumento de revolução (reflete, por exemplo, sobre o uso que se fazia de “grandes palavras” – liberdade, pátria etc. – sem que se sentisse o que elas realmente significavam); visão do leitor como “una confusa mezcla de inteligencia, sensibilidad, inserción histórica y política, autenticidad y alienación, pregunta y espera, silencio o clamor”; literatura como instrumento atuante da revolução (“escribir y leer es cada vez más una posibilidad de actuar extraliterariamente”); retórica vazia (“[...] que nuestro diálogo esté limpio de toda retórica, que sus acuerdos o desacuerdos sean el resultado de haber mirado de frente nuestra realidad en vez de envolverla en los sacos de plástico de las frases hechas, de las fórmulas estereotipadas y de los prejuicios”); condições dialéticas (“[...]todo buen diálogo debería partir de una cierta paridad cultural, de un conocimiento recíproco por parte de sus protagonistas”); incapacidade da população dos países sob regime ditatorial em perceber os efeitos dos esforços de libertação feitos pelos exilados e órgãos internacionais, devido a barreiras impostas pelos regimes...
A lista é grande, e não vale a pena detalhar ainda mais sob o risco de tirar as surpresas do leitor que, depois deste texto, quiser ler o livro. Mas para os que ainda acharem que o livro é “muito sério” e “muito chato”, – ainda acharão isso depois de saber que Calac e Polanco protagonizam um dos textos? – resta a argumentação de um pequeno texto que aparece no início de algumas edições do livro (não sei se de autoria de Saúl Yurkievich, que tomou parte no projeto, ou de alguma outra pessoa): “Firmados por Cortázar, no son ni políticos ni literarios: son textos de Cortázar, fieles a una concepción ética de la vida. Y nada más”.
Talvez por achar que os textos políticos de Cortázar não têm essa característica, há leitores que pouco ou nada se interessam por eles. Esse é um grande erro. E “Argentina: Años da Alambradas Culturales” é a prova disso.
O interesse de Julio pela política foi maior no fim de sua vida, quando se engajou nos processos democráticos de países da América Latina. Aliás, “Argentina: Años de Alambradas Culturales” é um livro póstumo; apesar praticamente pronto antes de sua morte – Julio chegou, inclusive, a escrever a introdução para o livro, em janeiro do ano de sua morte, 1984 –, só foi publicado em setembro do mesmo ano. Provavelmente por isso, as reflexões contidas nesse livro me parecem mais maduras do que as de “Nicarágua tão Violentamente Doce”.
Mas nem a idade, nem a seriedade do assunto privaram Cortázar de seu vigor imaginativo e de sua capacidade de criar imagens que, longe de desrespeitar a gravidade das questões geopolíticas, são divertidas e comunicam muito bem a mensagem. Exemplo disso está logo na introdução, quando JC compara a mentalidade de grande parte do povo de então (os texto são das décadas de 1970 e 1980) com um coador invertido, por força e vontade dos regimes militares, fazia com que o macarrão escorresse e só ficasse para o povo a água morna,
Os textos do livro são divididos em duas seções: “Del exilio com los ojos abiertos” e “Del escritor de dentro y de fuera”; o próprio JC explica em sua introdução: “(…)la primera serie toca esencialmente al exilio como eje y motor de una denuncia constante de los crímenes de la junta militar; la segunda —se trata muchas veces de informes leídos en congresos, colegios universitarios y tribunales internacionales— enfrenta más directamente las obligaciones de un intelectual en este momento de la historia latinoamericana. Poderia falar de todos, mas seria uma tarefa longa e não faria justiça à profundidade dos textos, então prefiro dar uma visão geral do livro, seguido de comentários sobre algum ou outro texto que me chamou mais a atenção.
Apesar de, vez ou outra, toparmos com algum texto mais complexo, em geral os escritos desse livro são bastante compreensíveis. Até porque, como Cortázar reitera durante boa parte dos textos, é essencial que a revolução, que as mudanças, falando de maneira mais ampla, não sejam apenas algo discutido entre os intelectuais, mas que seja transmitida para o povo em geral, para que possam ser implementadas, não apenas servirem de objeto de análise teórica.
Algumas ideias que Julio discute e que me parecem dignas de contar como pontos altos do livro são: “(...)historia no tanto como mero pasado sino como preparación y previsión del futuro”; pensamento crítico sobre a linguagem como instrumento de revolução (reflete, por exemplo, sobre o uso que se fazia de “grandes palavras” – liberdade, pátria etc. – sem que se sentisse o que elas realmente significavam); visão do leitor como “una confusa mezcla de inteligencia, sensibilidad, inserción histórica y política, autenticidad y alienación, pregunta y espera, silencio o clamor”; literatura como instrumento atuante da revolução (“escribir y leer es cada vez más una posibilidad de actuar extraliterariamente”); retórica vazia (“[...] que nuestro diálogo esté limpio de toda retórica, que sus acuerdos o desacuerdos sean el resultado de haber mirado de frente nuestra realidad en vez de envolverla en los sacos de plástico de las frases hechas, de las fórmulas estereotipadas y de los prejuicios”); condições dialéticas (“[...]todo buen diálogo debería partir de una cierta paridad cultural, de un conocimiento recíproco por parte de sus protagonistas”); incapacidade da população dos países sob regime ditatorial em perceber os efeitos dos esforços de libertação feitos pelos exilados e órgãos internacionais, devido a barreiras impostas pelos regimes...
A lista é grande, e não vale a pena detalhar ainda mais sob o risco de tirar as surpresas do leitor que, depois deste texto, quiser ler o livro. Mas para os que ainda acharem que o livro é “muito sério” e “muito chato”, – ainda acharão isso depois de saber que Calac e Polanco protagonizam um dos textos? – resta a argumentação de um pequeno texto que aparece no início de algumas edições do livro (não sei se de autoria de Saúl Yurkievich, que tomou parte no projeto, ou de alguma outra pessoa): “Firmados por Cortázar, no son ni políticos ni literarios: son textos de Cortázar, fieles a una concepción ética de la vida. Y nada más”.
Buenas salenas, cronopio cronopio!
ResponderExcluirNão sei se você já viu, mas acabei de ler e fiquei encantada com essa mulher!
http://poesiame.blogspot.com/2007/06/la-maga-edith-aron.html
Boa salenas, Lilith!
ResponderExcluirObrigado pela visita e o comentário!
Não li ainda o link que você mandou mas, pelo que entendi... essa é "A" Maga? Quero dizer, a mulher que a inspirou, com seus encontros não-marcados com o JC? WOW!
Vou ler o artigo logo, logo, ok?
Beijos!