quinta-feira, 28 de outubro de 2010

El París de Rayuela: Homenaje a Cortázar

Capa da edição da Lunwerg

            Poucos livros têm a presença tão viva de uma cidade como “O jogo da amarelinha”, e quem Paris é quase um personagem a mais, pelo qual passam os membros do Clube da Serpente. E uma coisa que sempre me incomodou enquanto eu lia esse romance de Cortázar era não saber como eram esses lugares. Como é a Pont Neuf? E a Pont dês Arts? Qual o ar que se sente na rue de Seine? E o que é o Quai de Conti?
            Cheguei a pensar em, quando reler “O jogo da amarelinha”, anotar todos os lugares citados, e depois procurar fotos e informações na internet e então reler, mais uma vez, o romance para senti-lo mais profundamente. Mas parece que alguém já teve esta ideia. E, o que é melhor, transformou-a em um livro.
            O fotógrafo argentino Héctor Zampaglione publicou “El París de Rayuela: Homenaje a Cortázar”, um livro com 70 fotos em preto-e-branco que ilustram os lugares onde se passa a parte “do lado de lá” da história, com legendas extraídas do próprio texto do romance.
            Mas as fotos de Zampaglione não se limitam a mostrar os lugares, mas também a trazê-los para dentro de “O jogo da amarelinha”. Por exemplo, a foto do Parc Montsouris tem em cena um guarda-chuva, e a legenda abaixo é “... Maga, te acordarías quizá de aquel paraguas viejo que sacrificamos en un barranco del Parc Montsouris...”. A Paris de “O jogo de amaralinha” está toda aqui: as igrejas, o monumentos, os cafés, as barracas dos bouquinistes, ruas, praças, pontes, estações de metrô, os cais... e a Maga. Sim, a maga. Como Cortázar mesmo disse, em entrevistas, que cada leitor imagina que a Maga seja de uma maneira, Zampaglione fotografou a modelo-Maga em ares misteriosos, nunca mostrando o rosto. A foto da nudez da Maga (espelhada, na página ao lado, para casar bem com o texto em que se diz que ela se olha ao espelho), a foto de uma clochard com um filho de colo (ilustrando o texto da morte de Rocamadour) e a foto da maga brincando com a folha de plátano estão entre minhas favoritas.
            Como pontos não tão altos do livro, essa presença da Maga interefere com essa imagem dela que criamos individualmente, e a minha maga tinha cabelo mais curto... Sem falar que o efeito nas fotos (à la filtro “grain” do Photoshop) demora a cair no gosto do leitor. Mas, confesso, a cada folheada, gosto mais do meu exemplar deste guia. Um guia não simplesmente para Paris, mas para a Paris de “O jogo da amarelinha”.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Correspondencia

Capa da edição atual, da Alpha Decay


            Cortázar escreveu uma quantidade impressionante de cartas. No projeto de publicação de suas Obras Completas, pela editora Galaxia Gutenberg (ainda não publicado inteiramente), as cartas cortazarianas têm dois volumes exclusivamente dedicados a elas – além das cartas, só os romances ocupam dois volumes, mas um deles é dividido com a obra teatral. E leve-se em conta o tamanho considerável que têm os romances do Julio...
            Muitas cartas importantes de Cortázar foram publicadas em livros de miscelâneas (por exemplo, “Situação do intelectual latino-americano”) pela sua importância e grande clareza de visão. Mas, das poucas cartas de JC que tinha lido anteriormente, nenhuma tinha o tom intimista e até confessional dessas que aparecem em “Correspondencia”, de autoria de Cortázar, Carol Dunlop e a tradutora de Cortázar para o servo-croata, Silvia Monrós-Stojaković.
            O livro é prefaciado pela própria Silvia e abarca correspondências entre 1980 e 1983, pouco antes da morte de Julio. Por isso mesmo, durante o livro vai crescendo um sentimento de tristeza, de agonia, que propicia reflexões e confissões entre os correspondentes, embora não tire completamente das cartas um fino senso de humor e certa maneira corajosa de encarar a vida (as vidas, no caso).
            As cartas de Silvia são uma grata surpresa. Ela não só é divertida (partilha muito bem do estilo de cronópios e piantados de Julio e Carol) e dialoga brilhantemente com Carol e Julio (me parece que a maior comunicação se deu entre as duas, exceto depois da morte de Carol, quando Julio teve ele mesmo de escrever à amiga) como também tem um poder de observação muito aguçado da composição de Cortázar (ela menciona a repetição de alguns verbos) e do ofício da tradução (quando lhe enviam a tradução de “Rayuela” para o inglês feita pro Gregory Rabassa, ela analisa as escolhas do americano). E suas escrita é muito criativa, dotada de uma fluidez de uma graça que aumentam o nosso gosto em ler.
            Assim como Carol também é muito criativa, usando metáforas (brilhantes como muitas das que Cortázar escreveu) feito esta, escrita em uma carta enviada a Silvia, data de agosto de 1981:

"Me encantan tanto tus cartas, que casi me siento culpable de contestar (pero las cartas de veras, no se contestan, llaman a otras cartas y al final se hacen serpientes en el aire, y la gente que saben deslizar la mirada entre aire y nubes saben que son puentes, puentes donde se puede ir y venir y inclusive encontrarse, y sí, es cierto que la gente se puede contestar, pero los puentes, no"

Assim, vai nascendo uma relação à maneira dos puzzles de Cortázar, como sugere Monrós-Stojaković – as confidências e as confianças mútuas crescem, se aprofundam, mesmo Silvia só tendo visto Carol uma vez (e jamais tendo conhecido Cortázar pessoalmente), através das cartas, que Silvia classifica de “la escritura más puente que haya”, porque vai diretamente ao outro.
            Carol conta, nas cartas, coisas íntimas, histórias do filho, do ex-marido, de sentimentos conflitantes, da doença de Julio (de que ele ainda não sabe, ao menos não tanto quanto ela); Silvia conta da luta por justiça na então Iugoslávia, do marido e dos filhos, e de sua amante que a abandona sem que ela consiga entender exatamente o porquê, embora especule lindamente.
            Quando Carol morre, é Cortázar o interlocutor de Silvia, em cartas muito mais breves que as de Carol. Julio está angustiado pela perda de sua companheira pouco depois de sua viagem pela Autopista do Sul. A última carta é de Silvia. E se teve resposta, não figura no livro. Mas é improvável que tenha tido, pois, no início de 1984, Cortázar morria.
            Apesar de algumas lacunas no puzzle formado pelos três excepcionais correspondentes (certamente falta uma carta ou outra), “Correspondencia” nos permite conhecer um dos períodos mais belos e mais duros da vida de Cortázar – seu amor por e com Carol e o fim da relação causado por duas mortes muito próximas, como se um corresse ao encontro do outro para continuarem a percorrer sem pressa outras cosmopistas cheias de encanto.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Presencia

Capa de Obras Completas, volume IV: Poesía y poética


             Conto, romance, teatro, crítica, política, entrevista, prosa variada e inovadora. Posso dizer que já cobri quase todos os tipos de textos já escritos por Cortázar. Menos, até agora, um dos mais importantes para o próprio autor: a poesia.
            Em seus livros de entrevista, Cortázar sempre menciona a poesia, e fica claro que, ao longo da vida, mesmo depois de já ser amplamente conhecido por seus contos e romances, nunca deixou de escrever poemas, mesmo que muitos deles não tenham sido publicados em vida por conta de um alto senso crítico do autor.
            No Brasil, não há sequer um livro de poesias de Cortázar traduzido. Os poemas dele a que temos acesso são aqueles poucos (mas constantes, o que prova que Cortázar nunca parou de fazer poemas) que aparecem no meio de seus romances ou aqueles recolhidos em livros de sua chamada “prosa variada” (“A volta ao dia em oitenta mundos”, “Ultimo round” etc.).
            Sendo assim, foi em espanhol mesmo que li “Presencia”, livro de sonetos do autor, e o primeiro que ele publicou, sob o nome de Julio Denis.
            No final “Presencia” (pelo menos dessa edição que li, dentro do volume IV das Obras Completas) lê-se: “Bolívar, 1937/1938”, o que indica que os sonetos foram escritos quando Cortázar tinha seus 23, 24 anos, num período em que foi professor em escolas em províncias de Buenos Aires (além de Bolívar, também Chivilcoy). Daí se entende algumas características dos poemas apresentados em “Presencia”: certa ingenuidade, alguma rigidez temática, previsibilidade em algumas rimas etc.
            Não me interpretem mal, pouco entendo de poesia, especialmente de métrica; toda a comparação que faço é entre Cortázar e o próprio Cortázar, no caso, entre este “Presencia” e sua produção poética posterior, usando apenas minha intuição como referência. Tenho agora mais ou menos a mesma idade que ele tinha então e não posso dizer que faria versos melhores...
            Mas o livro tem qualidades e, até, já pressagia, por exemplo, a temática dos trens (em “En el tren” lemos: “y sin estar dormido voy dormido”, o que lembra um pouco as experiências de dilatação de tempo de Johnny em “O perseguidor”). E o que mais me chamou positivamente a atenção em “Presencia” é a força, o ímpeto de certas estrofes, de certos poemas inteiros, até. Com alto poder imagético, seus poemas falam do amor, de Cristo (pungente o retrato de Cristo na cruz que faz Cortázar) e, tema que sempre o interessou em suas produções posteriores, a existência. Exemplo perfeito é a penúltima estrofe do soneto II da seção “Sonetos a mí mismo”, com a qual encerro esse texto por não saber bem mais o que dizer:

“Por qué, por qué buscar, si nada existe
Que no tenga los sellos de lo vano
Y la triple coraza de lo esquivo;”

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Cortázar: La biografía


            Aí está uma coisa difícil de achar: uma biografia de Julio Cortázar. Alguns outros livros parecem ser capazes de contar aspectos importantes da vida e da personalidade dele (principalmente os livros de entrevistas com Bermejo e Prego), mas, até ler esse livro do também argentino Mario Goloboff, eu ainda não tinha encontrado nenhuma obra que se dispusesse à tarefa não muito fácil de contar a vida do Julio.
            “Cortázar: La biografia” tem consideráveis 336 páginas, que abarcam desde o nascimento do Julio até sua morte. Além disso, o livro é ilustrado com diversas fotos – uma da infância, uma de sua certidão de alistamento no exército, fotos com Aurora Bernárdez, com Ugné Karvelis, com Carol Dunlop... Em um congresso, ao lado de Goloboff e Roa Bastos, com Salvador Allende e até uma em que aparece Chico Buarque.
            Mas mais interessante que as fotos é mesmo o conteúdo do livro. Certo, a bem da verdade, é meio chato no início. Parece que Goloboff escreve menos imbuído da paixão da escrita e acaba perdendo tempo demais explicando o contexto sociopolítico daqueles anos (fora as informações sobre o período professoral de Cortázar não a nada muito novo). Mas acho compreensível, porque são justamente as questões já mais conhecidas da vida de Cortázar que são tratadas no início. Que bom leitor do Julio já não sabe por que e como ele se foi da Argentina para a França?
            Abro um parêntese para fazer um comentário sobre tradução. No texto, Goloboff comenta que “Omnibus”, de “Bestiario”, pode ter uma conotação política se pensarmos que o protagonista dá à protagonista um ramo de piensamientos – no original em espanhol. Peguei minha edição nacional de “Bestiário” e a tradução escolhida foi: amor-perfeito. Ótimo, pensamiento é a palavra em espanhol para a flor que em português se chama amor-perfeito. Mas e a outra conotação de pensamiento? Parece que o tradutor passou em branco nessa... Como compensação, por volta da página 115, Goloboff comenta que Cortázar sempre admirou o ofício de tradutor (o que é um alento, porque eu tinha a impressão contrária).
            Contudo, é só lá pela metade que o livro começou a me parecer realmente interessante: fala-se de algumas polêmicas que enfrentou Cortázar: as que davam conta de que ele teria feito tratamentos andrológicos (!); a polêmica com Oscar Collazos, só brevemente mencionada no livro de Bermejo; a discussão sobre o compromisso do intelectual latino-americano (com textos da época, incluindo alguns de críticos insuportavelmente imbecis) e, mais para o fim, as doenças não muito claras que acometeram Carol e ele.
            O que não é exatamente uma polêmica, mas merece menção é a relação de Julio com a lituana Ugné Karvelis. Fala-se muito sobre Aurora Bernárdez, primeira mulher e testamentária de Cortázar; fala-se muito de Carol Dunlop, grande amor da vida do Julio; mas pouco se comenta de Ugné. Goloboff parece corrigir isso (inclusive, segundo uma carta anexa no fim do livro, os dois mantiveram contato), contando como foi a relação. Durou cerca de uma década, se não estou enganado (o que não é pouco, convenhamos) e foi se deteriorando por mais de um motivo, sendo o principal o alcoolismo – segundo Goloboff, maior em Ugné, mas que acabava influenciando Cortázar. Mas parece que o fim da relação foi amistoso e que até o fim da vida Cortázar ainda se importava com Ugné – que, também de acordo com o livro de Mario Goloboff, seria representada pela Polaquinha de “Livro de Manuel”.
            Por incrível que pareça, o fim do livro não é tão triste como se poderia imaginar. Não só porque Cortázar sempre enfrentou com bravura e até bom humor a doença, mas também porque vemos ele ativo (se bem que o conteúdo dos seus últimos textos, “Negro el 10”, por exemplo, seja sombrio) e porque nos anexos estão textos inteligentes e enérgicos dele – e, entre tanta bobagem dita por intelectualóides à época da premiação de “Livro de Manuel”, um ou outro elogio sincero e reconhecimento à sua coragem e talento. Muito maior do que o daqueles que não o souberam compreender e só quiseram recriminá-lo por sua “falta de argentinidade”, e que hoje estão, de maneira muito justa, esquecidos. Ao contrário da obra de Julio, cada vez mais viva entre seus leitores.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um pedido de desculpa e uma curiosidade bem cortazariana

- Puff, puff - bufa o cronópio blogueiro apressado para postar depois de notar o tempo enorme que ficou sem dar notícias aos leitores - também cronópios, claro - do seu blog. Ele pensa em dar a desculpa de que o relógio-alcachofra dele está estragado (assim como o computador dele, criatura obviamente simpática mais aos famas que aso cronópios) e que com isso de mudar o horário de verão e nos tomarem uma hora o sujeito fica maluco e... Bem, mas são todos cronópios, então devem estar todos atrapalhados com alguma coisa também.

- Boas salenas, cronópios cronópios! - ele diz, ou melhor, escreve, se bem que para ele o que mais importa é a comunicação, aconteça ela como acontecer. - Estive tempo sem escrever, pro motivos diversos. Queria pedir desculpa aos que seguem o Morellianas (pelo que vejo, tem mesmo quem siga! - uma "boa salena" especial a Letícia e Lili-th, pelos primeiros comentários no blog). Estive atrapalhado nos útlimos dias, então o blog acabou ficando parado.

Mas volto - segue o cronópio, ja se sentindo muito verborrágico, ou, como ele diria mais simplesmente, não calando a boca (ou os dedos...) - com uma notícia digna de nós, os cronópios, criação do fantástico Julio Cortázar.

Todos sabemos que Cortázar tem muito a ver com ruas, não? As ruas de Paris em "O jogo da amarelinha", as ruas de Paris e de Buenos Aires em "O outro Céu", uma cidade inteira em "62. Modelo para armar". Ou seja, Cortázar criou muitas ruas, não?

Mas e quando as ruas criam Cortázar? Bem, é quase isso que descobri. Procurando no site dos Correios - o cronópio bloggeiro agora digita mais rápido, visivelmente entusiasmado - encontrei duas ruas chamada... sim, Julio Cortázar! (Infelizmente com a grafia errada: "Júlio Cortazar"... mas eu mesmo escrevia assim antes de conhecer os livros do autor então é melhor não abrir meu bico...).

Se alguém me mandar uma foto da placa de uma dessas ruas, ganha um brinde do Morellianas! Hehehe. Seguem os dados das ruas, de acordo com o site dos correios:

Logradouro             Bairro                Localidade       UF     CEP

Rua Júlio Cortazar   Cará-cará          Ponta Grossa   PR      84043-640
Rua Júlio Cortazar   Novo Osasco    Osasco            SP      06142-030

Puff, puff - o cronópio termina de digitar, exausto, esperando que alguém consiga enviar uma foto de uma dessas ruas e ganhe o brinde, mesmo que ele seja um relógio de alcachofra ou algo parecido.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Obra crítica 3

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            O leitor de Cortázar que, como eu, deixar para o fim da lista de leituras cortazarianas o volume 3 de “Obra crítica” agirá bem. Não porque esse livro seja, digamos, a cereja do bolo da produção do Julio; longe disso, aliás: é uma leitura por vezes cansativa e vez que outra até enfadonha. Mas porque “Obra crítica 3” é um livro que abarca vários aspectos não só do intelectual, mas do homem Julio Cortázar. E é isso que torna a leitura ao mesmo tempo difícil e enriquecedora.

            O volume começa com a clássica carta a Roberto Fernández Retamar sobre a situação do intelectual latino-americano, seguida de alguns textos sobre polêmicas (mais especificamente, sobre o caso Padilla e a entrevista de David Viñas que contém críticas a Cortázar). Em seguida, temos um belo texto chamado “Neruda entre nós” em que Cortázar avalia, com extrema beleza e extremo lirismo, a importância do poeta Pablo Neruda para a América Latina. É muito bonita a imagem que Cortázar nos mostra, segundo a qual foi a partir da escrita de Neruda que a América Latina começou a conhecer-se e definir-se por si mesma, sem se apoiar em critérios e imagens vindos de fora.

            Na seqüência, alternam-se textos sobre política e literatura: reflexões sobre o status da literatura e do intelectual, resenhas de livros, uma reflexão sobre o exílio como fator influente na produção literária. Um dos melhores textos dentre esses é, na minha opinião, é “Uma morte monstruosa”, sobre o poeta salvadorenho Roque Dalton, assassinado por compatriotas de visão política diferente da sua.

            Aliás, os melhores textos de “Obra crítica 3” são aqueles em que se pode sentir a proximidade emotiva de Cortázar ao autor ou personagem de que fala. Roberto Arlt, Felisberto Hernández, Ezequiel Martínez Estrada e Samuel Pickwick (além dos já mencionados Neruda e Dalton). Cortázar aproxima todos eles de nós, de forma que quase sentimos como se nós também fizéssemos parte dessas resenhas ou notas introdutórias a edições das obras. A apologia ao Pickwick de Dickens tem todo o frescor de uma juventude que Cortázar ainda mantinha aos 67 anos.

            Encerram o livro alguns discursos para congressos e encontros de intelectuais, entremeados pelos textos da série “Nicarágua por dentro” (presente em “Nicarágua tão violentamente doce”) e por um pequeno texto cheio de força chamado “Novo elogio da loucura”, sobre a luta das mães da Plaza de Mayo para saber a verdade sobre o destino de seus entes queridos desaparecidos durante o regime militar argentino.

            É por essa pluralidade de temas que recomendo que este livro seja lido depois de muitos outros de Cortázar: para que, de certa forma essa pluralidade de temas e de abordagens sirva de resumo da maneira como Cortázar sempre encarou a vida: múltipla e jamais reduzível a somente um ou outro aspecto, mas conjugando todos.

domingo, 10 de outubro de 2010

Obra crítica 2

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            Se a obra crítica do Cortázar me infundia certo receio e por isso eu protelava a leitura desses textos (como expliquei anteriormente), “Obra crítica 2” era, de todos os volumes, o que mais me deixava receoso. Isso porque ele não é tão curto quanto o volume 1, e ainda mantém resquícios daquele Cortázar mais intelectual e menos sentimental, sensitivo. No fim das contas, não foi tão complicado quanto pensei que seria, mas mesmo assim esteve longe de ser fácil.

            O conteúdo do volume 2 é bastante diversificado: resenhas de livros, textos extensos sobre importantes figuras literárias (que influenciaram Cortázar, inclusive: Poe, por exemplo), textos teóricos (“Para uma poética”, “Alguns aspectos do conto” etc.). Comento, a seguir, o que mais me chamou a atenção.

            Os textos sobre Rimbaud, Keats e Poe dão uma amostra de como Cortázar conseguia se aprofundar não só na obra, mas no próprio clima, no sentimento basilar das obras dos escritores que admirava. É impressionante a análise que ele faz da urna grega em um poema de Keats, assim como também é surpreendente a quantidade de dados que conseguiu levantar para nos trazer um vivo retrato da biografia de Poe. O texto sobre Poe também impressiona pela sua capacidade de nos deixar fascinados pelo autor de “O corvo”. Terminada a leitura desse texto, parece que Cortázar conseguiu nos fazer admirar Poe tanto quanto ele próprio admirava.

            Entre todas as resenhas que faz, algumas me pareceram especialmente tocantes, me fazendo ter vontade de conhecer as obras a fundo, para poder compartilhar com ele seu sentimento de maravilhamento: a de Devoto, a de Marechal, a de Victoria Ocampo e a de Buñuel (especialmente essa última, com sua brutalidade; o texto sobre o filme de Buñuel me lembrou um pouco “Apocalipse de Solentiname” ou “Grafitti”).

            Nos textos teóricos é onde se vê a maior diferença em tom entre aqueles escritos no início do período coberto por este volume 2. Por exemplo, “Notas sobre o romance contemporâneo” (datado de 1948) é muito mais acadêmico do que “Alguns aspectos do conto” (de 1962-1963), em que Cortázar nos conta até uma anedota.

            Para terminar, se pode dizer que, no conjunto, é um livro que tem tudo o que caracteriza o melhor de Cortázar (mesmo que isso só fique mais claro lá depois da metade do livro): existencialismo, surrealismo, bom gosto literário e complicações suficientes para exigir do leitor uma postura mais engajada na leitura.

sábado, 9 de outubro de 2010

Obra crítica 1


Meu amigo e colega Théo Amon conta que uma vez teve um sonho do qual eu participava, junto com Antônio Sanseverino, nosso ex-professor de Literatura Brasileira. No sonho do Théo, o Antônio e eu conversávamos às gargalhadas sobre literatura e chegávamos à conclusão de que todo crítico literário seria viado (sic, no sonho).

Quando o Théo me contou esse sonho eu achei engraçado, não só pelo inusitado de se sonhar uma coisa dessas, mas também porque o sonho tem lá uma pontinha de verdade... eu nunca tive lá muita simpatia pelos críticos literários – aquela velha história: quem sabe faz, quem não sabe, critica. Sem contar que eles sempre me pareceram técnicos demais, faltando no trabalho deles toda a beleza que tem na literatura.

            Meu objetivo quando comecei essas resenhas/críticas/análises dos textos cortazarianos era comentar apenas os que já estão publicados em português; mas foi comentando um em espanhol aqui, outro de entrevistas ali... parecia mesmo que eu estava “fugindo” desses últimos livros nacionais que faltavam ser comentados. Sabendo disso, fica fácil entender por que deixei para o fim das possibilidades de leitura a leitura da obra crítica dele.

            A obra crítica de Cortázar foi publicada em três volumes: Obra crítica 1: Teoria do túnel; Obra crítica 2: textos críticos anteriores a “O jogo da amarelinha”; e Obra crítica 3: textos críticos posteriores a “O jogo da amarelinha”. A organização de cada um dos volumes ficou a cargo de um estudioso (e amigo) de Cortázar.

            Obra crítica 1 ficou a cargo de Saúl Yurkievich e inicia com dois textos dele: o primeiro, mais curto, apresenta a coleção e o segundo apresenta o volume, especificamente. Depois há o texto per se.

            Apesar de ser um texto razoavelmente curto (umas oitenta páginas), não é uma experiência de leitura fácil: Cortázar tinha menos de quarenta anos quando concluiu o livro, mas já demonstrava a perspicácia, a inteligência e a clareza de pensamento características de um autor maduro. Não faltam referências literárias e extra-literárias: mitologia, movimentos culturais, cinema, literatura...

            O objeto central de estudo do livro é o romance, técnicas e maneiras de encará-lo. Cortázar discorre sobre o Surrealismo e o Existencialismo e argumenta que na união dos dois o romance pode fortalecer-se.

            Ainda que o livro seja maçante às vezes, Cortázar não era um crítico, um teórico, mas sim um escritor que criticava e teorizava; por isso, ao longo do texto nos encontramos com trechos de brilhante beleza e lucidez, como:


"(...) louvado seja o impossível quando impede a passagem da facilidade e dessa ordem que é a morte (...)" (pp. 87-88)

"(...) literatura como ‘história do espírito’ (...)" (p. 97)


            Ok, não se pode dizer que Cortázar seja o típico crítico literário, mas é certo que seu livro, apesar de meio complicado, eleva a reputação dos críticos (pelo menos no meio conceito).

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O fascínio das palavras

Capa da edição da José Olympio

Não tão conhecido como “Conversas com Cortázar”, “O fascínio das palavras” é outro livro de entrevistas com Julio Cortázar. Nesse livro, o entrevistador de Cortázar não é Ernesto González Bermejo, mas outro jornalista uruguaio, Omar Prego.

            Publicado após a morte do escritor argentino, “O fascínio das palavras” começa em um tom mais triste (talvez por conta da introdução, que reconta os últimos anos de vida de Julio) e, me parece, menos íntimo. Não sei a que se deve isso, talvez Cortázar não conhecesse Prego tão bem como conhecia Bermejo, mas essa sensação acaba diminuindo ao longo do livro, embora nunca suma de todo.

            O livro traz, ao menos na versão brasileira, algumas páginas com fotos de Julio, desde 1916, uma foto algo estranha por sinal, tirada na Suíça, até 1983 (pouco antes de sua morte), na Espanha. Fora isso, trata-se de um livro não muito breve (cerca de duzentas páginas) e de conteúdo bem variado. Cortázar e Prego falam não só de literatura (conto; romance; “O jogo da amarelinha”, que tem um capítulo para si; poesia; etc.) mas também de outros assuntos. Por exemplo, há um capítulo chamado “Fobias, manias, vampirismo” e outro capítulo dedicado à música, uma grande paixão de Cortázar, no qual se fala, claro, da música em geral, mas mais especificamente do tango e do jazz.

            Disse que talvez a tristeza se instaure no por conta da introdução de Prego. Pensando melhor, acho que não. Acho que isso acontece porque Cortázar está doente e sabe disso, porque sente falta de Carol Dunlop, porque percebe que há anos as coisas já vão mal para ele (como ele mesmo afirma quando discutem destino e horóscopo). Tudo isso dá a noção de um clima negativo rondando Cortázar.

            Apesar disso, “O fascínio das palavras” traz informações muito relevantes ou, no mínimo, interessantes, como os jazzmen favoritos de Cortázar, a reação de Juan Carlos Onetti ao ler “O perseguidor” e, para mim o mais relevante, é possível conhecer a visão dele próprio sobre seus próprios contos, como “Diário para um conto”, “As portas do céu” ou “A porta condenada”. O que mais me surpreendeu é a explicação de Cortázar para seu conto “As armas secretas”, que eu lera de um ponto de vista absolutamente diferente (sem ver nele nada de fantástico).

            O sentimento que me fica ao fim dessa leitura é que, quanto mais se lê Cortázar mais se descobre que existem outras leituras possíveis e que sua obra não merece ser apenas lida, mas sim relida.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Julio Cortázar tradutor

Esta postagem está atrasada, deveria ter sido publicada em 30 de Setembro, que é considerado o dia do tradutor, por ser o dia em que se celebra o padroeiro dos tradutores: São Jerônimo, que traduziu a Bíblia ao Latim (aliás, lembro do meu professor de Latim dizendo que São Jerônimo limou - limou, serrou ou algo assim - os dentes para melhorar sua pronúncia do Latim... argh! Mas, voltando ao assunto...).

Cortázar é muito conhecido pela qualidade de seu trabalho literário, mas nem todo leitor seu sabe que foi também tradutor. Segue uma lista de obras que ele traduziu, de acordo com Andrés Amorós:

Henri Bremond: A poesia pura
G. K. Chesterton: O homem que sabia demais
Daniel Defoe: Robinson Crusoé
André Gide: O imoralista
Jean Giono: Nascimento da odisséia
Lord Houghton: Vida e carta de John Keats
Walter de la Mare: Memórias de uma anã
Edgar Allan Poe: Obras em prosa, Contos, Aventuras de Arthur Gordon Pym e Eureka
Alfred Stern: Filosofia do riso e do pranto e A filosofia existencial de Jean-Paul Sartre
Marguerite Yourcenar: Memórias de Adriano

Nota: Não estou seguro de que estes sejam os nomes que as obras ganharam em português; apenas traduzi da lista original, em que os nomes figuram em espanhol.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As armas secretas ganha reedição

Do IG:

"(...) 'As Armas Secretas' havia sido publicado no Brasil em 1994, e há muitos anos encontrava-se fora de catálogo. Agora, acaba de ganhar uma nova edição. A tradução, um belo trabalho de Eric Nepomuceno, é a mesma da edição anterior."

fonte:
http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/ig+recomenda+el+guincho+neil+young+crumb+julio+cortazar/n1237787964349.html

Segue foto da capa:
Achei de mais a nova capa!