sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma conversa com Cortázar

Buenas, Julio.

Senta aí, che, toma alguma coisa. Um mate, eu imagino. Batatas fritas?

Um absurdo pensar nessa situação, nos encontrarmos em uma metafórica mesa de bar – sem bar – num texto. Mas o absurdo maior é nos acostumarmos às coisas, etiquetando-as de cotidianas e apenas roçando o olhar por elas. (E pra quem escreveu uma carta como "Botella al Mar" e um algo-absolutamente-inclassificável como "Anillo de Moebius" este texto não deverá causar grande estranheza.) Se é tarefa de todo leitor que já deixou de ser “lector hembra” tentar ir além do ler o texto, ingressar na criação do mesmo, acho que deve dar pra aplicar a mesma ideia ao autor: (re)criar o autor. O que é muito útil no teu caso, Julio, porque já faz décadas que te foste e os teus textos antigos que descobrem ano a ano não preenchem a necessidade de contato com tua persona.

Sempre quis trocar uma ideia contigo. Mas é claro que não vou me meter a escrever as tuas falas, porque não poderia simular o particular caleidoscópio através do qual tu olhavas a vida. Vou só te imaginar do outro lado da mesa (de madeira escura, isso eu também consigo imaginar), balançando a cabeça para indicar, apenas indicar, o que pensas.

Já que já falei do assunto, este ano faz 30 anos que tu morreste. Não escrevi nada sobre isso em fevereiro porque eu mesmo tive de lidar com uma morte doída. Meu avô morreu (o Benedetti escreveu bem em “La Tregua”: “morrer” tem uma dimensão aterradora que “falecer” não tem; de certo modo, pra quem ama e admira, apenas “morrer” corresponde ao sentimento de perda, arrasador), e lembrei de ti, Julio, porque ele também trocou um continente por outro. Ele também era um cara especial, com visão e valores raros, cada vez mais raros. Pra mim, morreu o último grande homem. E morreu, com ele, muito do que havia de bom e entusiasmado em mim. Perdas assim são uma merda, Julio. Têm a violência de uma colisão com uma árvore a mais de cem por hora, em uma estrada próxima a um lugar chamado Kindberg.

Outro motivo pelo qual não escrevi sobre os 30 anos da tua morte, JC, é que, pra mim, não faz sentido. A morte é o fim? É uma passagem (ou, mais cortazarianamente, uma galeria – que entra deste lado e sai de algum outro)? O encontro do caminho do kibbutz do desejo? Não sei, mas o que ela não é, é algo para comemorar. Melhor te lembrar pelas palavras, pelas ideias, pelas risadas, pelos arrepios, pelo combate à solidão existencial autoimposta... Muita gente se lembrou da tua morte, olha só:

http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/02/1411014-morte-de-julio-cortazar-completa-30-anos.shtml

http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2014/02/12/cortazar-teria-morrido-de-aids-e-nao-de-cancer/

http://homoliteratus.com/30-apos-sua-morte-surge-pergunta-julio-cortazar-morreu-de-aids/

http://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/americalatina/argentina/2014/02/12/Cortazar-teria-morrido-Aids-nao-cancer_7571784.html

http://www.noticiasaominuto.com/cultura/173106/espetaculo-assinala-30-anos-da-morte-de-julio-cortazar#.UxdzCqI4-BQ

Ridículo, Julião, ficarem discutindo se tu morreste de câncer ou de AIDS. Em que isso influi na tua obra? No que isso contribui para te entender, te incorporar?

Em Portugal, pelo menos, estão mais interessados numa adaptação teatral de “Casa Tomada”. Foi destaque em muitos jornais portugueses:

http://www.tsf.pt/blogs/filaj/archive/2014/02/20/the-house-taken-over-243-pera-de-vasco-mendon-231-a-no-maria-matos.aspx

http://www.publico.pt/cultura/noticia/vasco-mendonca-compositor-feito-de-curiosidade-e-inquietacao-1624557

http://www.sabado.pt/Ultima-hora/Sociedade/Opera-luso-britanica-chega-ao-Maria-Matos.aspx

http://www.publico.pt/cultura/noticia/a-inteligencia-de-uma-encenadora-1624406

http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=717824&tm=4&layout=121&visual=49

http://www.publico.pt/cultura/noticia/critica-de-opera-1625913

Ainda em Portugal, o Periódico da Fundação José Saramago dá destaque ao Ano Cortázar:

http://espanol.josesaramago.org/blimunda-21-fevereiro-2014-262679

Também aqui no Brasil tem gente interessada em outras coisas mais importantes sobre a tua vida do que o fim dela. Uns exemplos, Julião:

- Um texto curto, que comenta tua concepção do conto:

http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-31--123-20140218

- Um extenso texto sobre teu livro póstumo, com tuas palestras em Berkeley:

http://revistaforum.com.br/digital/134/cortazar-por-cortazar-o-politicamente-fantastico/

- Uma boa notícia trazida pelo nosso amigo aqui do blog, Carlos Piloto. Reproduzo:
“Olá, Gustavo.
Novo livro sobre Cortázar, Cortázar de la A a la Z, Alfaguara (2014).
Mais informações no Google.
Bom início para o "Año Cortázar 2014".
Divulgue para todos os cronópios em seu blog.
Grande Abraço.
Carlos Piloto
Santos-SP”

Notícia complementada pelo artigo do El País:

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/11/cultura/1392141836_920724.html

O mesmo amigo Carlos, enviou outro link interessantíssimo, que parece indicar que uma nova tradução de "Rayuela" sairá neste ano. (Mas este trouxa aqui não cai mais nos trambiques da Civilização Brasileira! Vou verificar umas quantas vezes se a tradução é mesmo nova, antes de gastar uma quantia fabulosa num livro da editora!)

Achei, também, um interessante texto te relacionando a Alice no País das Maravilhas e à Copa do Mundo (!):

http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:9CaFq7oQp24J:www.dm.com.br/texto/162870+&cd=1&hl=en&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a

E a tua influência segue, em várias rayuelas, não só nas pessoas, mas também nas empresas, como: Rayuela Restaurante Cultural, Rayuela Livraria e Bistrô, Rayuela Comercio de Roupas e Acessórios... (e nos nomes de ruas, como já escrevi aqui no blog, anteriormente)

E segue, também, e isso não poderá ser surpreendente para quem tenha te lido, para quem realmente tenha te lido, a tua influência no erótico. O capítulo 7 de Rayuela segue sendo um monumento ao amor completo, total. Como se pode ver na abertura da série erótica “Tramas Ardientes”, exibida pelo canal Playboy TV.

http://www.youtube.com/watch?v=F1Jbz67O7ZE

Como pode ver, continuas por aí. Continuas sendo “alguém que anda por aí”. E por aqui também, já que penso em ti e nas coisas que escreveste umas quantas vezes por dia. Sempre que me acontece algo curioso, ou bonito, ou absurdo...

Bem, JC... Já falei tanto. Acho que agora vou ficar só calado, sentado, olhando, figurativamente, pra ti por um momento... Sorvendo um mate. Um mate metafórico.

Boas salenas, grande cronópio.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo seu blog dedicado a Cortázar, que muito aprecio. Releio agora Rayuela a partir do cap. 73. Fantástico. Neste Ano Cortázar, esperemos que os portuguieses fiquem a conhecer a sua existência e o seu talento. Continue. Já agora, o meu blog é o A Voz da Girafa

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    1. Caríssima Céu,
      É sempre um prazer grande receber comentário aqui no Morellianas. Ainda mais quando vem da terra de meu avô, Portugal. :)

      Parece-me que, aos poucos, Portugal tem mais chance de conhecer o genial Julio. A Cavalo de Ferro publicou sua versão traduzida de Rayuela, o que já é um grande avanço. Está lendo Rayuela em espanhol, mesmo?

      Teu blog me parece muito interessante. Por que deste a ele o nome de Voz da Girafa?

      Mais uma vez, agradeço-te muito os comentários. :) Logo poderás ver novos posts no Morellianas!

      Um abraço fraterno do outro lado do atlântico!

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  2. Apaixonada por Cortázar, só agora descobri seu blog.
    Maravilhoso!

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    1. Agradeço muito o elogio, Cristina! Me deixa feliz lê-lo. Espero poder, em breve, trazer mais artigos interessantes.

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