sábado, 13 de agosto de 2011

Fantomas contra los Vampiros Multinacionales

Capa da edição da Excelsior

Julio Cortázar é um autor de contrastes. Mas os contrastes cortazarianos não entram em conflito, ou, melhor dizendo, entram em conflito na mesma proporção com que se harmonizam. Imagino o quão paradoxal isso pareça para alguns. Mas quem já perambula (toda leitura de Cortázar há de ser de certa forma um passeio, seja por Paris, Buenos Aires, Bruxelas ou por si mesmo) há algum tempo pelos livros de Julio há de me entender.
E quem ainda não tem o hábito dessa caminhada passará a também me entender, se tiver a bondade de superar minhas digressões e ler este texto, sobre “Fantomas contra los Vampiros Multinacionales”. É um livro curto, mas com conteúdo bastante relevante sobre nosso amigo Julio - pelo que já tomei afeição especial pela obra.
Parece (de acordo com o que li em outros livros do e sobre o Julio) que a ideia surgiu quando o autor ficou sabendo que tinha participado como personagem de uma história em quadrinhos. Não sei se isso é verdade ou se serve apenas para manter a sensação de difícil divisão entre realidade e ficção no livro de Julio. O Fantomas de Cortázar não lembra muito o Fantômas (assim, com circunflexo no “o”) dos franceses Marcel Allain e Pierre Souvestre. Tanto pela roupa (o allain-souvestre-iano cobria apenas o que o cortazariano deixa à mostra: os olhos; e usava chapéu) como pelas atitudes (de vilão passou a herói).
Enfim, chega de introduções. O livro é sensacional. O primeiro contraste: o livro é intermidiático, mesclando quadrinhos (e, como em “O Livro de Manuel”, ilustrações –  matérias de jornais, montagens , desenhos – ao longo de todo o livro) com literatura “pura”  (sem juízo de valor: “puro” é o jeito de dizer “sem quadrinhos”). O segundo contraste: de narrações; a narração dos quadrinhos e do livro em si não são a mesma coisa, nem exatamente coisas diferentes. Os quadrinhos não são rebaixados a condição acessória – são parte fundamental da história.
Terceiro contraste, de temática: a “liberdade poética” dos quadrinhos de herói não serve a um escapismo, nem a um ars gratia artis (desculpem, tem dias que fico mais palavroso), mas à denúncia das barbáries da ditadura e da inação frente a elas. Quarto contraste: os tons, que variam do duro, direto, à pura brincadeira, no típico humor cortazariano – não lembro de ter lido, em nenhum outro lugar, linhas do Cortázar dizendo tão claramente que está de olho em uma mulher (e ainda faz referência bem explícita aos seios dela).
A arte (difícil ler os crédito que aparecem nos quadrinhos, escritos com uma letra em estilo Will Eisner) é ótima, com o estilo dos quadrinhos antigos (sem a overdose de hachuras e sem a falta de noções espaciais de muitos quadrinistas modernos). O desenho de Julio ficou ótimo. Além dele, também vemos (todos jovens) Octavio Paz, Alberto Moravia e uma toda engessada Susan Sontag – que é um dos personagens mais importantes, pelas conversas que tem com Julio. Não há nenhum personagem brasileiro, mas, entre seus amigos, Julio cita Caetano Veloso.
(Ainda não fiz nenhuma citação? Então aí vai esta, citada pela personagem de Susan e talvez por ela na vida real:
“¿Qué son los libros al lado de quienes los leen, Julio?
¿De qué nos sirven las bibliotecas enteritas si sólo les están dadas a unos pocos? También
esto es una trampa para intelectuales. La pérdida de un solo libro nos agita más que el
hambre en Etiopía, es lógico y comprensible y monstruoso al mismo tiempo. Y hasta
Fantomas, que sólo es intelectual en sus ratos perdidos, cae en la trampa como acabamos
de verlo.”)

                 
                Não posso contar muito mais – será melhor que cada um leia o livro e veja a mensagem que ele lhe traz, e como Cortázar conseguiu escrevê-lo sem trair nenhuma porção de seu ser: falando às vezes de brincadeira, disse mais e mais profundas mensagens que os que se agarravam a uma intransigente seriedade da revolução dos povos da América Latina.

2 comentários:

  1. Olá, hoje estou passando rapidinho... Por si acaso voce não tenha lido essa entrevista: http://www.wikio.es/article/entrevista-maga-mujer-inspiro-julio-cortazar-187810043

    Estou te devendo uma fonte segura da carta que escrevou Julio a Alejandra.

    Abraço,

    Soraya.

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  2. Oi, Soraya!
    Obrigado por mais uma contribuição sua ao Morellianas!

    Já tinha visto esse link, mas ainda não li! Acho que tinha até esquecido dele. Preciso ler, obrigado por me lembrar! :)

    Abraços!

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