Aqui está a tradução da carta aberta que o Chris Kearin (do excelente blog Dreamers Rise) enviou, falando sobre como Cortázar é visto nos Estados Unidos (leiam a original, em inglês, neste link). Desculpem a demora e aproveitem a leitura, que é bastante esclarecedora!
Uma carta aberta a Gustavo Ribeiro
Caro Gustavo,
Você me pediu algumas considerações sobre como Cortázar é visto nos EUA. Não sou acadêmico e não fiz nenhum esforço sistemático para me manter em dia com os estudos acadêmicos mais recente em inglês, então o que se segue será amplamente baseado em minha perspectiva pessoal como leitor e como livreiro (de uma maneira ou outra) nos últimos 35 anos.
Conheci o Cortázar por meio de traduções, em antologias de Literatura Latino-Americana, entre as quais existiam algumas muito boas no mercado na década de 1970. Não lembro ao certo, mas a primeira história que li pode ter sido “Axolotl” ou “Carta a una señorita en París” – qualquer uma delas suficiente para conquistar pela vida inteira. Em seguida, provavelmente peguei um exemplar de segunda mão de da edição em brochura de Blow-Up and Other Stories, compilação, feita por Paul Blackburn, de partes de Final del juego, Bestiario, e Las armas secretas, antes de partir para os romances. Conforme meu espanhol ficava melhor, pude reler as obras em suas formas originais e também me familiarizar com livros que ainda não tinham sido traduzidos.
A primeira edição de um livro completo de Cortázar em inglês foi a tradução de Los premios (The Winners em inglês) feita por Elaine Kerrigan, em 1965, uma tradução da qual eu não acredito que o autor tenha gostado muito. Desde então, ele tem sido, de maneira geral, afortunado com seus tradutores para o inglês; trabalhou junto tanto a [Paul] Blackburn como a Gregory Rabassa, e ficou muito satisfeito com os resultados. Até a publicação de Blow-Up (originalmente chamado The End of the Game and Other Stories) em 1967, Cortázar era conhecido no mundo anglófono unicamente como romancista, o que, claro, é uma inversão da maneira como sua carreira se desenvolveu de fato.
Em geral, as editoras americanas acompanharam a produção das obras mais relevantes de Cortázar durante os últimos períodos de sua vida. Seus livros eram editados em capa dura por grandes e prestigiosas companhias, e muitos apareceram em edições em livro de bolso, particularmente no selo Bard da editora Avon. Desde sua morte, contudo,a situação tem sido variada. Hopscotch (Rayuela) e Blow-Up tem estado mais ou menos continuamente disponíveis, sem dúvida em parte por ser adotado como leitura em cursos universitários, mas Libro de Manuel (traduzido aqui como A Manual for Manual) e diversas outras obras importantes chegaram a sair de catálogo. Mais importante, edições de obras não traduzidas anteriormente ou obras póstumas tem sido lentas a chegar às lojas. Os grandes editores comerciais, até mesmo editoras respeitadas como Knopf and Farrar, Straus & Giroux, parecem não ter interesse Cortázar, mas, por sorte, essa brecha foi parcialmente preenchida por editoras independentes menores, como New Directions, City Lights, e Archipelago Books.
Talvez a maior omissão na publicação da obra da obra de Cortázar aqui seja na ficção curta. A seleção de Paul Blackburn foi feita junto com sua mulher, Sara, então editora na Pantheon, e com o próprio Cortázar, e provavelmente representou um esforço de fazer uma “coletânea” baseada no que tinha sido publicado na Espanha até então. A coletânea era boa, mas, ironicamente, levou a uma situação em que muitas das melhores histórias dos primeiros vinte e poucos anos da carreira literária de Cortázar, que não foram de início selecionadas para entrar em Blow-Up, jamais foram traduzidas e, portanto, são inteiramente desconhecidas dos leitores que não podem lê-lo no original. Coletâneas posteriores das histórias de Cortázar em inglês (por exemplo, All Fires the Fire [Todos os Fogos o Fogo, no Brasil, e Todos los Fuegos el Fuego, em espanhol]) geralmente foram organizadas de forma a se igualar aos conteúdos dos volumes correspondentes em espanhol; apesar de suas qualidades, alguns dos primeiros contos, como “Cartas de Mamá,” “Después del almuerzo,” e “Los venenos” foram deixados de lado. Isso, acredito, distorceu um pouco nosso entendimento do cânone cortazariano, dando mais ênfase às obras ambientadas na Europa do que às obras ambientadas em Buenos Aires, e, portanto, nos dando uma imagem de Cortázar como escritor que é menos “latino-americana” do que de outra forma poderia ser.
O mercado americano é há muito tempo conhecido por ser hostil a traduções, e, em alguns aspectos, somos o mais provinciano dos países no que diz respeito às nossas opções de leitura. O chamado “boom” do romance latino-americano foi acompanhado de uma correspondente expansão nas traduções para o mercado americano durante a década de 1970 e no início da década de 1980, mas essa era já se passou há muito. Ainda que haja exceções, (García Márquez, cujas ambientações talvez ofereçam mais do “exotismo” que nossos leitores esperam de um autor latino-americano, e Vargas Llosa, com seu Prêmio Nobel e longa relação com um editor específico), o quadro geral ainda é bastante desanimador. Existem importantes livros inteiramente dedicados a estudos críticos sobre Cortázar (alguns deles já bastante datados atualmente) e, como mencionei, uma ou outra nova edições aparece por meio de pequenas mas corajosas editoras, mas nenhum esforço maior em conjunto está sendo feito para manter as obras de Cortázar sendo impressas, em edições abrangentes, e para promover sua obra a um número amplo de leitores.
Tendo dito isso, todavia não se pode dizer que Cortázar não tenha seguidores nos EUA. Seus livros são estudados com regularidade em cursos universitários e são frequentemente objeto de estudo de artigos acadêmicos, dissertações, e posts em blogs. Além disso, temos uma população crescente de falantes de espanhol, cujos leitores não dependem de traduções; há até mesmo um livro de bolso da Penguin, La autopista del sur y otros cuentos, direcionado a esse público. Seus romances e contos são bem conhecidos de escritores, de especialistas na América Latina, de críticos e de universitários do curso de Literatura, e vários outros. Contudo, Cortázar, homem erudito como era, não escreveu somente para benefício de acadêmicos e especialistas, e o total efeito renovador de um livro como Rayuela merece ser sentido, como penso que foi na América Latina e, até certo ponto, na Europa, por um público mais amplo. Já está mais do que na hora de uma edição abrangente dos contos, bem como de uma biografia, ainda que no último caso seja provavelmente melhor que o mundo dos falantes de espanhol tome a dianteira.
A melhor notícia, contudo, é que sua obra permanece. Mesmo aquelas edições que estão fora de catálogo podem ser encontradas, por aqueles que se dispõem a tomar um tempo em procurá-las, em sebos ou bibliotecas. As traduções que irão encontrar geralmente são de alta qualidade, e ainda que existam muitas lacunas, a obra de Cortázar continua disponível, para demonstrar sua importância e proporcionar encanto e estímulo ao leitor, o que, assim eu penso, foi a intenção do autor.
Tudo de bom,
Chris
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