sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Cortázar: La biografía


            Aí está uma coisa difícil de achar: uma biografia de Julio Cortázar. Alguns outros livros parecem ser capazes de contar aspectos importantes da vida e da personalidade dele (principalmente os livros de entrevistas com Bermejo e Prego), mas, até ler esse livro do também argentino Mario Goloboff, eu ainda não tinha encontrado nenhuma obra que se dispusesse à tarefa não muito fácil de contar a vida do Julio.
            “Cortázar: La biografia” tem consideráveis 336 páginas, que abarcam desde o nascimento do Julio até sua morte. Além disso, o livro é ilustrado com diversas fotos – uma da infância, uma de sua certidão de alistamento no exército, fotos com Aurora Bernárdez, com Ugné Karvelis, com Carol Dunlop... Em um congresso, ao lado de Goloboff e Roa Bastos, com Salvador Allende e até uma em que aparece Chico Buarque.
            Mas mais interessante que as fotos é mesmo o conteúdo do livro. Certo, a bem da verdade, é meio chato no início. Parece que Goloboff escreve menos imbuído da paixão da escrita e acaba perdendo tempo demais explicando o contexto sociopolítico daqueles anos (fora as informações sobre o período professoral de Cortázar não a nada muito novo). Mas acho compreensível, porque são justamente as questões já mais conhecidas da vida de Cortázar que são tratadas no início. Que bom leitor do Julio já não sabe por que e como ele se foi da Argentina para a França?
            Abro um parêntese para fazer um comentário sobre tradução. No texto, Goloboff comenta que “Omnibus”, de “Bestiario”, pode ter uma conotação política se pensarmos que o protagonista dá à protagonista um ramo de piensamientos – no original em espanhol. Peguei minha edição nacional de “Bestiário” e a tradução escolhida foi: amor-perfeito. Ótimo, pensamiento é a palavra em espanhol para a flor que em português se chama amor-perfeito. Mas e a outra conotação de pensamiento? Parece que o tradutor passou em branco nessa... Como compensação, por volta da página 115, Goloboff comenta que Cortázar sempre admirou o ofício de tradutor (o que é um alento, porque eu tinha a impressão contrária).
            Contudo, é só lá pela metade que o livro começou a me parecer realmente interessante: fala-se de algumas polêmicas que enfrentou Cortázar: as que davam conta de que ele teria feito tratamentos andrológicos (!); a polêmica com Oscar Collazos, só brevemente mencionada no livro de Bermejo; a discussão sobre o compromisso do intelectual latino-americano (com textos da época, incluindo alguns de críticos insuportavelmente imbecis) e, mais para o fim, as doenças não muito claras que acometeram Carol e ele.
            O que não é exatamente uma polêmica, mas merece menção é a relação de Julio com a lituana Ugné Karvelis. Fala-se muito sobre Aurora Bernárdez, primeira mulher e testamentária de Cortázar; fala-se muito de Carol Dunlop, grande amor da vida do Julio; mas pouco se comenta de Ugné. Goloboff parece corrigir isso (inclusive, segundo uma carta anexa no fim do livro, os dois mantiveram contato), contando como foi a relação. Durou cerca de uma década, se não estou enganado (o que não é pouco, convenhamos) e foi se deteriorando por mais de um motivo, sendo o principal o alcoolismo – segundo Goloboff, maior em Ugné, mas que acabava influenciando Cortázar. Mas parece que o fim da relação foi amistoso e que até o fim da vida Cortázar ainda se importava com Ugné – que, também de acordo com o livro de Mario Goloboff, seria representada pela Polaquinha de “Livro de Manuel”.
            Por incrível que pareça, o fim do livro não é tão triste como se poderia imaginar. Não só porque Cortázar sempre enfrentou com bravura e até bom humor a doença, mas também porque vemos ele ativo (se bem que o conteúdo dos seus últimos textos, “Negro el 10”, por exemplo, seja sombrio) e porque nos anexos estão textos inteligentes e enérgicos dele – e, entre tanta bobagem dita por intelectualóides à época da premiação de “Livro de Manuel”, um ou outro elogio sincero e reconhecimento à sua coragem e talento. Muito maior do que o daqueles que não o souberam compreender e só quiseram recriminá-lo por sua “falta de argentinidade”, e que hoje estão, de maneira muito justa, esquecidos. Ao contrário da obra de Julio, cada vez mais viva entre seus leitores.

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