terça-feira, 12 de julho de 2011

Rabbits for my closet II

Morellianas: Quantas e que pessoas participaram do projeto?
Alfredo: No total fomos cinco os envolvidos:
* Lionel, 31 anos. Foi quem teve a ideia original e contatou o resto da equipe. Seu trabalho ao longo do projeto poderia ser classificado como o de um produtor.
* Pablo, 24 anos. Desenhista gráfico, encarregado de toda a parte artística (conceitos, cenários, personagens, animações etc.).
* Ezequiel, 24 anos. Game designer, encarregado de ajustar a mecânica do jogo e o projeto dos níveis.
* Facundo, 24 anos (Estudio Ataxia). Compositor da música e encarregado dos efeitos sonoros.
* Alfredo, 26 anos. Programador do projeto. 
Dos cinco, Pablo, Ezequiel eu (Alfredo) formamos um estúdio em que desenvolvemos jogos eletrônicos e outras experiências interativas: Purple Tree Studio.

Morellianas: Como surgiu a ideia para o jogo?
Alfredo: Quem teve a ideia foi Lionel. Fazia tempo que ele tinha a ideia de fazer um jogo em homenagem a Cortázar, baseando-se na premissa de que o próprio autor é muito lúdico em sua obra. Um dia veio falar com a gente e disse "Quero fazer um jogo baseado em ‘Carta a uma senhorita em Paris’", e comentou com a gente sua ideia de empurrar coelhos para dentro um armário como mecânica de jogo.

Morellianas: Como foi o processo de criação? Foi complexo? Levou muito tempo?
Alfredo: A partir da proposta de Lionel, começamos a nos encontrar uma vez por semana, ou uma vez a cada duas semanas: em cada reunião surgiam ideias e mudanças no conteúdo do jogo, no significado, no que queríamos fazer, etc.
O processo foi relativamente lento, porque cada um de nós tinha um trabalho fixo à parte, e este projeto surgiu como algo extra, sem nenhuma intenção de lucro, em que podíamos trabalhar unicamente nos fins de semana (o nas noites de dias de trabalho). Por isso, mesmo sendo um projeto que poderia ter sido executado em uma ou duas semanas, nos tomou, desde a ideia inicial até lançá-lo, uns 5 meses. Contudo, me parece que teve seu lado positivo, já que nos momentos em que não estávamos trabalhando ativamente no projeto, as ideias iam se desnvolvendo e evoluindo em um segundo plano, e assim conseguimos ter coisas novas para cada reunião.

Morellianas: Como o público reagiu ao jogo? Vocês recebem muitos comentários?
Alfredo: A reação do público superou minhas expectativas. Talvez não tanto pelo lado dos conhecidos (parentes, amigos..), que dizem mais ou menos o que se espera (parabéns, que gostaram, que não entenderam tal o qual coisa, que lhes pareceu isso ou aquilo)... mas sim do lado dos desconhecidos. Recebia um e-mail de alguém na Espanha que me perguntava coisas sobre o jogo, ou de repente estavam nos convidando a exibi-lo em alguma exposição (em particular uma que aconteceu aqui [na Argentina], a: Game On!).
Também nos contataram para pequenas notas em algumas revistas e blogs; e, claro, você também, que entrou em contato aí do Brasil!

Morellianas: Por que os coelhos do jogo crescem?
Alfredo: Isso tem a ver com o que queríamos conseguir com o jogo, de maneira que, se não se importa, vou aproveitar esta pergunta para formular uma mais geral em que vai estar a resposta: Que objetivos tinham com o jogo? Por que ocorrem as coisas que ocorrem?
O que queríamos fazer com Rabbits for my Closet é levar o gênero literário de Cortázar ao mundo dos jogos eletrônicos. Mas não queríamos usar o conto como um roteiro, onde cada parágrafo te indica exatamente o que você vai ver no jogo. O que tentamos fazer foi não copiar a história tal qual, mas que o jogador de Rabbits for my closet sinta o mesmo que o leitor de “Carta a uma Senhorita em Paris”: o desespero, a sensação de que o tempo está acabando, essa noção do espaço que se fecha, o estar atado ao inevitável.

Há dois elementos próprios de um jogo eletrônico que não se encontra na literatura, e os aproveitamos para reforçar a ideia daquilo que queríamos conseguir. Por um lado, em um jogo eletrônico o jogador é o personagem. Não lê sobre um personagem, mas é ele, o maneja, o move, o controla. Isto facilita muito essa ideia de "sentir o que o personagem seente", que nem todos alcançam ao ler um conto ou romance. Por outro lado, em um jogo eletrônico costuma haver um objetivo. Neste caso o fizemos simples: você tem de botar os coelhos no armário, esse é seu objetivo. O que fizer, fará com isso em mente. Esta ideia de objetivo usamos mais adiante, para ajudar que o jogador sinta o que nós queremos que sinta.
Como nota aparte, fizemos a mecânica a mais simples possível (simplesmente se mover usando las teclas), para que uma maior quantidade de pessoas pudesse ter acesso ao jogo (na Expo Game On, um senhor de 65 anos jogou pela primeira vez um jogo eletrônico graças a isso).
Queríamos que o jogador sentisse desespero, e isso conseguimos com outro recurso dos jogo eletrônicos: um contador regressivo. O jogador se sente pressionado pelo tempo, sente que não chega a atingir seu objetivo (guardar os coelhos no armário), e se está muito perto do fim do tempo, alguém (a empregada) começa a bater na porta, e isso influi na sensação de desespero.
À medida que passam os níveis, há mais coelhos, o objetivo é mais difícil, e cada vez se chega a ele mais perto do limite de tempo. Por outro lado, a música (recurso extra que um jogo eletrônico tem, mas um conto não) gera um estado de tensão que reforça tudo mencionado anteriormente.

Com respeito ao que acontece depois de cada flash de luz branca, para isso nos baseamos em uma interpretação do conto (compartilhada por Lionel e eu) que afirma que os coelhos representam problemas, angústias do personagem. O personagem, em vez de resolvê-los,os esconde do resto das pessoa. À medida que passa o tempo, seus problemas e angústias são tantos y tão difíceis de suportar que acaba se suicidando.
Com isso em mente, usamos dosi recursos: por un lado, inverter a sala. Com isso queríamos que o jogador sinta que o contexto mudou: que pense "merda, o que eu vinha fazendo para atingir meu objetivo (empurrar os coelhos para a direita) agora me afasta, tenho de pensar um uma nova estratégia". Ainda que o jogador não formule exatamente esse pensamento, o importante é que sinta isso, que sinta algo similar ao que sente uma pessoa quando, na vida cotidiana, algo muda de contexto contexto para ela, o que faz com que tenha que pensar em um novo modo de agir para cumprir seu objetivo.
Por otro lado, o recurso dos tamanhos. Quando os coelhos crescem, queremos dar a impressão de que os problemas sobrepujam o indivíduo, que agora é preciso empurrar coisas enormes. Mas também queremos que o jogador sinta que ainda assim pode conseguir (os coelhos, ainda que sejam grandes, podem ser empurrados para o armário). Quando os coelhos ficam pequenos representamos os momentos em que o indivíduo se sente superior aos problemas, quando se dá conta de que estava se preocupando por coisas que não eram tão importantes na verdade. E relacionado a isso, está o momento em que o personagem principal cresce: representamos os momentos em que a pessoa se sente com o poder de superar qualquer problema que tenha, fazendo-os parecer insignificantes.

O último nível do jogo é o mais especial: o suicídio. No conto, o personagem se suicída, o leitor não pode evitar isso. Contudo, vive a situação como un leitor (do conto e da carta), não como o personagem. O leitor se informa de que o personaje se suicída. Queríamos que o jogador não se inteirasse de que o personagem se suicida, mas sim que seja ele quem se suicida. Para conseguir isso, no último nível mudamos alguns aspectos chave: Por um lado, no se consegue empurrar os coelhos; há onze, e estão ali, donos do apartamento, vitoriosos sobre o personagem. Por outro lado, o andar do personagem muda: a animacção é mais lenta e percebemos ele apático. E por último e mais importante: sem importar que tecla o jogador pressione, o personagem sempre vai se aproximar da janela. Desta manera, conseguimos que o jogador sinta o inevitável desse desenlace, assim como o sente ao ler a carta; impotência. A isso se soma um ingrediente interessante: se o jogador não pressiona nenhuma tecla, o personagem fica quieto, e se pressiona alguma tecla se aproxima da janela... portanto, em última análise, é o jogador quem ocasiona a morte de personagem, porque é ele quem lhe dá a instrução de caminhar. O jogador acaba se suicidando.

Morellianas: Há intenção de fazer mais algum jogo baseado nos textos de Cortázar?
Alfredo: Depois de lançar o jogo falamos sobre nosso próximo projeto não relacionado a trabalho. Nós cinco temos vontade de fazer algo interessante como Rabbits for my Closet, mas ainda não nos decidimos se vai ser do Cortázar, ou se sequer vai ser relacionado à literatura. Assim que tiver novidades de nossa próxima ideia, comento contigo!

Morellianas: Como conheceu a obra do Julio? Qual foi o primeiro livro dele que leu? Leu muitas de suas obras?
Alfredo: Meu primeiro contato com Cortázar foi enquanto cursava primário: me fizeram ler “Casa Tomada” e analizá-lo. Naquele momento, não passou daí o interesse. Mas por volta dos 18 anos voltei a lê-lo, e li outros contos, e não teve como voltar atrás.
De seus romances, li “O jogo da amarelinha”, o resto foram todos contos; na verdade faz apenas dois anos que terminei de comprar uma coleção de três volumes com seus contos completos. De todo modo, não li nem a metade dos contos... é uma dívida que tenho com Don Julio.

Morellianas: Qual seu libro favorito do JC? E seus três contos favoritos?
Alfredo: Não sei se há um livro favorito... não posso deixar de mencionar “Todos os fogos o fogo” e “Histórias de cronópios e de famas”.
E contos... uff... Podem ser quatro? Em último caso descartamos o último... Vamos ver: “A saúde dos doentes”, “Histórias de cronópios e de famas”, “Um tal Lucas” e “A auto-estrada do sul”.

Morellianas: Como Cortázar é visto hoje na Argentina, em sua opinião? É fácil encontrar suas obras nas livrarias y bibliotecas?
Alfredo: Cortázar é, na Argentina, reconhecido em todos lados. Tem uma particularidade, no meu entender, e é que qualquer um pode ler e apreciar Cortázar, mesmo que não chegue a entendê-lo totalmente (é o que me aconteceu ao ler “O jogo da amarelinha”).
É por isso que, me parece, é um dos autores com leitores de idades mais variadas. Na exposição Game On se aproximavam de nosso estande tanto jovens de menos de 20 anos como avós de mais de 60.
Nas livrarias há edições com os contos e romances de Cortázar, felizmente não é difícil de conseguir sua obra.
Gostaria que incentivassem mais sua leitura nos colégios. Não só analisando “Casa Tomada” como aconteceu comigo, mas também fazendo com que meninos de 16 anos leiam contos como “Histórias de cronópios e de famas”, ou “Um tal Lucas”, e que não o analisem, que o desfrutem. Cultivar essa curiosidade de "Que curioso como ele escreve... que outras coisas terá publicado este senhor?".

Morellianas: Por último, por que ler Cortázar?
Alfredo: Creio que, complementando algo do que foi dito anteriormente: Por que Cortázar? Porque Cortázar é universal. Em tempo, em espaço, em idade. Cortázar te convida a brincar, e não te castiga (como, digamos, Borges) se você não está 100% preparado antes de começar a lê-lo. Jovens, adultos, todos podem ler Cortázar, e todos o desfrutam, ainda que seja em níveis diferentes.
Para mim, Cortázar é uma guloseima em forma de livro. E todo mundo desfruta uma guloseima.

Espero que as respostas sirvam. Te mando também o link ao site oficial do jogo, onde há um pouco mais de informação, um trailer e imagens, se quiser por algo no blog.

2 comentários:

  1. já viu isso?

    http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-58/cartas-julio-cortazar/misteriosa-entrega-e-mudanca-de-si-mesmo

    Amanda

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  2. Oi, Amanda!
    Tinha visto, sim! Quase comprei a revista, porque achei que o conteúdo da matéria só seria publicado no site no mês que vem. Mas ainda não li.

    Assim que ler, posto um comentário sobre a matéria!

    Beijos!

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