domingo, 24 de julho de 2011

Salvo el Crepúsculo

Estojo de Obras Completas, volume IV: Poesía y poética



                Dentre todos livros de poemas do Cortázar, “Salvo el crepúsculo” me parece ser o mais Cortázar e o menos livro de poemas. Eu disse “menos livro de poemas”, não menos poético. Aliás, bem pelo contrário.
                Isso porque, não sendo composto só de poemas, é o livro de poemas que dá a melhor noção sobre o que Cortázar achava da poesia. Alternam-se verso e prosa, que se comentam e se complementam. E tudo começa com uma nota que é bem representativa:

                                “Discurso del no método, método del no discurso, y así vamos.
Lo mejor: no empezar, arrimarse por donde se pueda. Ninguna cronología, baraja tan meszclada que no vale la pena. Cuando haya fechas al pie, las pondré. O no. Lugares, nombres. O no. De todas maneras vos también decidirás lo que te dé la gana. La vida: hacer dedo, auto-stop, hitchhiking: se da o no se da, igual los libros que las carreteras.
Ahí viene uno. ¿Nos lleva, nos deja plantados?”

Desde aí já se vê que a poesia é, para Cortázar, liberdade e aventura (como é ser caroneiro) e que o importante é começar por onde se conseguir, e depois vemos aonde vamos (o que é um consolo para quem, como eu, muitas vezes não sabe como começar).
Bem, depois que começa, “Salvo el crepúsculo” nos apresenta várias epígrafes entre os poemas: Marguerite Yourcenar, Haroldo de Campos, Franz Schubert, Joni Mitchell, John Keats, Octavio Paz, Isak Dinesen, “e por aí vai... e por aí vem...”, como diria Oliveira enquanto a Maga faz uma lista dos homens que já teve).
Será impossível comentar as centenas de textos do livro (não sou muito bom de estimativas numéricas, mas deve ser em torno de centenas, mesmo...), então vou comentar alguns que acho de maior destaque.
Em “Background”, prosa, iniciado pela genial frase “tierra de atrás, literalmente”, referindo-se ao título, Cortázar nos conta como a noite é importante para a sua escrita; explicando porque, desde a insônia até os sonhos, ela influencia e, ao mesmo tempo, é a fonte de suas linhas.
Seguem-se alguns poemas e então aparece “Para escuchar con audífonos”, texto até bastante conhecido, em que Julio discorre sobre duas paixões, poesia e música e, depois de nos explicar que certos sons sofrem uma espécie de atraso ou adiantamento quando escutados com fones de ouvido, diz:

“Cómo no pensar, después, que de alguna manera la poesía es una palabra que se escucha con audífonos invisibles apenas el poema comienza a ejercer su encantamiento.”

                Outro tema recorrente,  o tempo e seus descompassos, aparece em “Policronías”. Eis um trecho:

                               “Es increíble pensar que hace doce años
cumplí cincuenta, nada menos.

¿Cómo podía ser tan viejo
hace doce años?
Ya pronto serán trece desde el día
en que cumplí cincuenta. No parece
posible.
El cielo es más y más azul,
Y  vos más y más linda.
¿No son acaso pruebas
de que algo anda estropeado en los relojes?”

Na seção “Con tangos” temos, pelo que entendi, alguns poemas cortazarianos que foram transformados em tangos (não sei se isso aconteceu com todos os poemas dessa parte do livro). E a seção que segue, “Ars amandi”, é sobre o amor e o prazer. O que me chama mais a atenção nesta parte do livro são quinze poemas feitos para uma Cris (divididos em “Cinco poemas para Cris”, “Otros cinco poemas para Cris” e “Cinco últimos poemas para Cris”). Não tenho notícia de nenhuma Cris na vida do Julio, por isso os poemas me surpreenderam, já que são tomados de carinho.
Em “In itálico modo”, há poemas que não são exatamente em italiano, mas em algo que se parece; diz Cortázar, no início da seção, que são poemas mais preocupados com a sonoridade e com o ritmo. E soam, mesmo, muito bem.
“Grèce, Grecia, Greece 59” impressiona pelo poliglotismo: um poema escrito em três línguas (espanhol, francês e inglês), tendo por cenário a Grécia.
“La noche de Lala” é um belo, lindo, na verdade, capítulo excluído de “O livro de Manuel”. Talvez devesse ser parte de “Diário de Andrés Fava”, porque Julio escreve que seu autor foi Andrés. Em todo caso, conclui JC, depois de ter relido o texto, se encaixa muito bem em “Salvo el crepúsculo”, por sua poesia.
“La noche de las amigas” é um longo e meio caótico poema manuscrito; fala das mulheres de sua vida (tanto as reais como as imaginárias), como se estivessem todas reunidas em um encontro, “todas ellas dándose al juego de la noche, midiéndose y hablándose y queriéndose y burlándose, todo tan lesbiano sin serlo y siéndolo, todo tan de ellas como las había conocido o querido o solamente imaginado por una foto”.
“Notre-Dame la nuit” e “Los vitrales de Bourges” são dois poemas muito bonitos, o primeiro sobre o magnetismo exercido pela igreja de Notre Dame, e o segundo, muito bem executado, sobre os vitrais e a luminosidade que os atravessa.
Termino (já com medo de que alguém em acuse de prolixo ou de leviano; aqueles porque escrevi de mais, estes porque não escrevi sobre todos os poemas...) com um trecho do iníco de “Inflación que mentira”, que, acho, serviria bem para epígrafe de um conto ou romance (agora me falta só a ideia para o conto ou romance, portanto): 

“Los espejos son grátis
pero qué caro mirarse de verdad”

2 comentários:

  1. Olá,

    Primeiro, parabéns pelo blog. Segundo, olhei a seção “Cartas” e não encontrei o que para mim é uma das mais (se não a mais) bonita de todas que Julio escrevera: a carta a Alejandra Pizarnik.
    Alejandra afirmou muitas vezes ser “La maga” de Rayuela. E Julio nunca a contradisse ao que se sabe, exceto em uma carta que escreveu a Ana María Barrenechea.

    Te deixo a carta caso não há tenha lido todavia:

    “Hemos compartido hospitales, aunque por motivos diferentes; la mía es harto banal, un accidente de auto que estuvo a punto de. Pero vos, vos, ¿te das realmente cuenta de todo lo que me escribís? Sí, desde luego te das cuenta, y sin embargo no te acepto así, no te quiero así, yo te quiero viva, burra, y date cuenta que te estoy hablando del lenguaje mismo del cariño y la confianza –y todo eso, carajo, está del lado de la vida y no de la muerte.
    Quiero otra carta tuya, pronto, una carta tuya. Eso otro es también vos, lo sé, pero no es todo y además no es lo mejor de vos. Salir por esa puerta es falso en tu caso, lo siento como si se tratara de mí mismo.
    El poder poético es tuyo, lo sabés, lo sabemos todos los que te leemos; y ya no vivimos los tiempos en que ese poder era el antagonista frente a la vida, y ésta el verdugo del poeta. Los verdugos, hoy, matan otra cosa que poetas, ya no queda ni siquiera ese privilegio imperial, queridísima.
    Yo te reclamo, no humildad, no obsecuencia, sino enlace con esto que nos envuelve a todos, llámale la luz o César Vallejo o el cine japonés: un pulso sobre la tierra, alegre o triste, pero no un silencio de renuncia voluntaria. Sólo te acepto viva, sólo te quiero Alejandra.
    Escribíme, coño, y perdoná el tono, pero con qué ganas te bajaría el slip (¿rosa o verde?) para darte una paliza de esas que dicen te quiero a cada chicotazo.”

    Abraço,
    Soraya

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  2. Oi, Soraya!
    Antes de mais nada, desculpe a demora em te responder, mas ando meio atrapalhado (o que é bem típico dos cronópios, não? Hehe).

    Obrigado pelo elogio ao blog! E também pela contribuição - a bonita carta para a Alejandra.

    Não me lembro de tê-la lido (e acho que lembraria!), por isso eu pergunto: você sabe mais informações sobre essa carta? Está recolhida em algum dos volumes de "Cartas", da Alfaguara ou em algum outro livro ou revista? Sempre tomo cuidado de não resenhar material que não seja original (sabe como é a internet, alguém escreve um texto, e diz que é do Shakespeare, Cervantes, Arnaldo Jabor ou Martha Medeiros... e podia acontecer com Cortázar também. Se bem que essa carta tem mesmo o tom cortazariano...

    Continue mandando seus comnentários aqui para o Morellianas!

    Abraços!

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