quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Obra crítica 3

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            O leitor de Cortázar que, como eu, deixar para o fim da lista de leituras cortazarianas o volume 3 de “Obra crítica” agirá bem. Não porque esse livro seja, digamos, a cereja do bolo da produção do Julio; longe disso, aliás: é uma leitura por vezes cansativa e vez que outra até enfadonha. Mas porque “Obra crítica 3” é um livro que abarca vários aspectos não só do intelectual, mas do homem Julio Cortázar. E é isso que torna a leitura ao mesmo tempo difícil e enriquecedora.

            O volume começa com a clássica carta a Roberto Fernández Retamar sobre a situação do intelectual latino-americano, seguida de alguns textos sobre polêmicas (mais especificamente, sobre o caso Padilla e a entrevista de David Viñas que contém críticas a Cortázar). Em seguida, temos um belo texto chamado “Neruda entre nós” em que Cortázar avalia, com extrema beleza e extremo lirismo, a importância do poeta Pablo Neruda para a América Latina. É muito bonita a imagem que Cortázar nos mostra, segundo a qual foi a partir da escrita de Neruda que a América Latina começou a conhecer-se e definir-se por si mesma, sem se apoiar em critérios e imagens vindos de fora.

            Na seqüência, alternam-se textos sobre política e literatura: reflexões sobre o status da literatura e do intelectual, resenhas de livros, uma reflexão sobre o exílio como fator influente na produção literária. Um dos melhores textos dentre esses é, na minha opinião, é “Uma morte monstruosa”, sobre o poeta salvadorenho Roque Dalton, assassinado por compatriotas de visão política diferente da sua.

            Aliás, os melhores textos de “Obra crítica 3” são aqueles em que se pode sentir a proximidade emotiva de Cortázar ao autor ou personagem de que fala. Roberto Arlt, Felisberto Hernández, Ezequiel Martínez Estrada e Samuel Pickwick (além dos já mencionados Neruda e Dalton). Cortázar aproxima todos eles de nós, de forma que quase sentimos como se nós também fizéssemos parte dessas resenhas ou notas introdutórias a edições das obras. A apologia ao Pickwick de Dickens tem todo o frescor de uma juventude que Cortázar ainda mantinha aos 67 anos.

            Encerram o livro alguns discursos para congressos e encontros de intelectuais, entremeados pelos textos da série “Nicarágua por dentro” (presente em “Nicarágua tão violentamente doce”) e por um pequeno texto cheio de força chamado “Novo elogio da loucura”, sobre a luta das mães da Plaza de Mayo para saber a verdade sobre o destino de seus entes queridos desaparecidos durante o regime militar argentino.

            É por essa pluralidade de temas que recomendo que este livro seja lido depois de muitos outros de Cortázar: para que, de certa forma essa pluralidade de temas e de abordagens sirva de resumo da maneira como Cortázar sempre encarou a vida: múltipla e jamais reduzível a somente um ou outro aspecto, mas conjugando todos.

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