segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Presencia

Capa de Obras Completas, volume IV: Poesía y poética


             Conto, romance, teatro, crítica, política, entrevista, prosa variada e inovadora. Posso dizer que já cobri quase todos os tipos de textos já escritos por Cortázar. Menos, até agora, um dos mais importantes para o próprio autor: a poesia.
            Em seus livros de entrevista, Cortázar sempre menciona a poesia, e fica claro que, ao longo da vida, mesmo depois de já ser amplamente conhecido por seus contos e romances, nunca deixou de escrever poemas, mesmo que muitos deles não tenham sido publicados em vida por conta de um alto senso crítico do autor.
            No Brasil, não há sequer um livro de poesias de Cortázar traduzido. Os poemas dele a que temos acesso são aqueles poucos (mas constantes, o que prova que Cortázar nunca parou de fazer poemas) que aparecem no meio de seus romances ou aqueles recolhidos em livros de sua chamada “prosa variada” (“A volta ao dia em oitenta mundos”, “Ultimo round” etc.).
            Sendo assim, foi em espanhol mesmo que li “Presencia”, livro de sonetos do autor, e o primeiro que ele publicou, sob o nome de Julio Denis.
            No final “Presencia” (pelo menos dessa edição que li, dentro do volume IV das Obras Completas) lê-se: “Bolívar, 1937/1938”, o que indica que os sonetos foram escritos quando Cortázar tinha seus 23, 24 anos, num período em que foi professor em escolas em províncias de Buenos Aires (além de Bolívar, também Chivilcoy). Daí se entende algumas características dos poemas apresentados em “Presencia”: certa ingenuidade, alguma rigidez temática, previsibilidade em algumas rimas etc.
            Não me interpretem mal, pouco entendo de poesia, especialmente de métrica; toda a comparação que faço é entre Cortázar e o próprio Cortázar, no caso, entre este “Presencia” e sua produção poética posterior, usando apenas minha intuição como referência. Tenho agora mais ou menos a mesma idade que ele tinha então e não posso dizer que faria versos melhores...
            Mas o livro tem qualidades e, até, já pressagia, por exemplo, a temática dos trens (em “En el tren” lemos: “y sin estar dormido voy dormido”, o que lembra um pouco as experiências de dilatação de tempo de Johnny em “O perseguidor”). E o que mais me chamou positivamente a atenção em “Presencia” é a força, o ímpeto de certas estrofes, de certos poemas inteiros, até. Com alto poder imagético, seus poemas falam do amor, de Cristo (pungente o retrato de Cristo na cruz que faz Cortázar) e, tema que sempre o interessou em suas produções posteriores, a existência. Exemplo perfeito é a penúltima estrofe do soneto II da seção “Sonetos a mí mismo”, com a qual encerro esse texto por não saber bem mais o que dizer:

“Por qué, por qué buscar, si nada existe
Que no tenga los sellos de lo vano
Y la triple coraza de lo esquivo;”

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