sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Conversa com Julio

– Já aprendi muito contigo através dos teus livros, mas agora eu precisava conversar diretamente, nem que fosse assim, usando os recursos da imaginação, da literatura e do sonho – que, afinal de contas, devem vir todos da mesma fonte primordial.

Julio me olha com atenção mas também com curiosidade. Continuo:

– Bom, é o seguinte: quando comecei a ler teus livros, senti que tinha encontrado algo absolutamente diferente, cheio de significado, que permitia e até exigia diversas interpretações. Quando não entendia o significado de um conto, procurava na internet ou em algum livro, pra ver o que outras pessoas pensavam sobre o texto. Mas muitas vezes eu acabava encontrando textos muito acadêmicos, que muito mais analisavam o que tu escreveu como um biólogo analisa um inseto do que admiravam e tentavam traçar relações, hipóteses, a partir de sentimentos, de impressões. Pensavam muito e sentiam pouco, acho. Isso acabava me decepcionando, porque sei que tem muita gente a quem esse tipo de escrita academicista desagrada – a ti inclusive!

Julio balança a cabeça negativamente, entre desapontado e aborrecido.

– Então comecei a escrever esses textos, que com certeza são irregulares, tanto em estilo, como em tom, como em qualidade... Formam um conjunto mais por causa de suas diferenças do que por suas semelhanças.

A isso Julio sorri e balança a cabeça de novo, afirmativamente desta vez.

– São textos em que comento as minhas impressões, as minhas interpretações, os meus sentimentos sobre os teus textos. Às vezes coloco um resumo, mas procurei jamais contar o final; primeiro, porque é desagradável estragar a surpresa de alguém, segundo, porque são tantos os finais, e até os inícios, possíveis, no que tu escreveu, Julio, que seria altamente infrutífero se eu fizesse isso.

Como Julio não diz nada, continuo.

– Agora pretendo reunir todos esses textos em um blog, para que outros leitores possam lê-los e fazer deles um proveito maior do que o que eu obteria deixando esses escritos no meu computador, apenas. – Vi que a ideia não parecia desagradá-lo, então continuei. – Mas eu pedi a alguns amigos que fizessem o equivalente à orelha de um livro para o blog (falando de mim, falando de ti... essas coisas que ficam suspeitas se a gente mesmo faz, sabe?), mas nenhum fez. Todos parecem estar engolidos pela ilusão do tempo escasso. Se tivessem lido teus textos com mais atenção saberiam que o tempo se dilata e que poderia escrever o texto, sem pompa, porque a mim também ela não agrada, entre duas estações de metrô. Mas, enfim, agora estou nessa e não sei o que dizer... Não quero dizer “Julio Cortázar nasceu na Bélgica, filho de argentinos, mudou-se para a França etc.”, nem “Gustavo Ribeiro nasceu em Porto Alegre, cursa Letras, e crê que Cortázar blá-blá-blá”.

– Concordo, faz bem em não escrever isso – falou Julio, abatendo seu silêncio.

– Pois é, Julio. Mas e aí? O que eu digo, então? Como dizer, num texto só, tudo o que penso e, mais, tudo o que sou? O mesmo vale para você! Não quero usar muletas, mas, sem elas, como ando?

– Num pé só, como se estivesse...

– ... pulando amarelinha! – Eu interrompi, animado.

– Exato. Me parece o único jeito. Pode ser capenga, mas será você. Se conseguir que algum leitor seu, mesmo que seja só um, recolha a pedrinha e queira jogar também, então conseguiu o que era realmente importante. Para saber o óbvio, que vão à Wikipedia ou a uma enciclopédia, no meu caso, ou ao perfil do blog, no seu.

– Você tem razão, Julio. O que eu preciso dizer a eles é exatamente como se estabelece essa relação entre teus leitores e tu, através dos limites do tempo, do espaço, da vida e da realidade. Preciso dizer como ler teus livros é como conversar com você, conversar com um amigo.

Agradecido, saúdo-o com um aperto de mão, olhando-o nos olhos e me despeço com um “até sempre, Julio”.

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