segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Último round - tomo I

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira


            Antes de tudo, cabe um esclarecimento: esta resenha será escrita em duas partes, apesar de o livro ter sido originalmente publicado em uma parte, pelo que me consta. Acontece que em sua muito recente edição nacional, “Último round” foi publicado em dois tomos e li em algum lugar que todo o processo de composição da edição nacional foi muito esmerado (em especial em recuperar fotos e ilustrações), com a intenção de fazer o livro do jeito que Cortázar queria que fosse. Pode ser que isso soe aparentado à idéia de “o que o autor quis dizer”, tão discutida nos estudos da tradução (e que geralmente se aceita como algo inatingível, pois às vezes nem o autor lembra o que quis dizer) e que, portanto, não faça sentido respeitar essa divisão. Mas como se trata de um livro de muitos textos, em geral curtos, se eu fizesse uma resenha geral talvez deixasse algo para trás, algo interessante esquecido por tê-lo lido há mais tempo. Bem, vamos a ver:

            Nesse primeiro tomo, são trinta e cinco textos: poemas, relatos, notícias de jornal, contos, artigos de opinião, resenhas etc. E, claro, nem todos os textos são amplamente encaixáveis em só uma dessas categorias. Mas é admirável que Cortázar tenha concebido um livro que é capaz de conter todos esses tipos de texto (e, possivelmente, outros que escapam à minha percepção), sempre fazendo referências copiosas culturais.

            Não poderia falar de todos os texto sem estender essa resenha à exaustão, mas alguns textos merecem ser citados, por motivos diversos. Por exemplo, entre as poesias (tipo textual em que Cortázar não me agrada tanto, exceto nos poemas mais eróticos) destaca-se “Sílaba viva”, que tem tradução esmerada (Paulina Wacht e Ari Roitman), buscando ao mesmo tempo manter o sentido e a sonoridade do poema em espanhol.

            “Um de tantos dias de Saignon” é um relato do cotidiano de Cortázar em sua casa no sul da França. É incrível como consegue reproduzir seus próprios pensamentos e divagações como faz com seus personagens e também é surpreendente a diversidade de pensamentos que lhe ocorrem.

            “Do conto breve e seus arredores”, um pouco mais adiante, é um dos textos teóricos de Cortázar mais lidos por quem quer mais do que o prazer da leitura. Trata-se de um texto em que Julio avalia o a escritura do conto, fazendo algumas observações sobre esse processo. A meu ver, que não me interesso nada por teorias literárias (e tradutórias – para mim, não são questões teóricas, mas práticas: se aprende fazendo, e fazendo muito), é um texto interessante pelo que pode contribuir para a melhora do estilo e técnica, mas é mais interessante ainda por que se trata do próprio autor comentando como a coisa funciona para ele mesmo, a sua visão de contista sobre o conto.

            “Notícias do mês de maio” é um apanhado de frases e pequenos textos, em sua maioria de origem universitária, que comentam, satirizam, comemoram o contexto do movimento estudantil de maio de 1968. Um texto muito heterogêneo e bem espirituoso. Na contramão desse sentimento de revolução e evolução, “Turismo aconselhável” mostra uma Índia economicamente miserável, mas rica em um povo resistente.

            Em “Silvia” uma moça enigmática com um ar de Alice deixa inquieto o narrador desse conto que talvez seja o mais parecido, de todo esse tomo, com os contos fantásticos de Cortázar.

            ‘Tua pele mais profunda” é quase poesia em forma de prosa. Num teor erótico suave mas não tão sutil é contada essa história de envolvimento e prazer e ”pena”.

            Já bem no fim, “Considerando o sucesso obtido” parece uma resenha de um livro ficcional (algo como “Aproximação a Almotásim”, de Borges), mas, no fim das contas, parece que o livro do relato de Cortázar existiu de verdade, o que torna o relato mais impressionante.

            O último texto que comento é “A boneca quebrada”, relacionado aos eventos do livro “62: Modelo para armar”, ampliando e explicando conceitos que, segundo o próprio Cortázar ele sacou do texto de “62” para deixá-lo mais sintético.

            Tudo isso é muito bem ilustrado por fotografias e desenhos que se inserem entre um texto e outro e, não raro, no meio de cada texto, fazendo lembrar “Prosa do observatório”, só que com gravuras, pinturas e muito mais além de fotos do próprio autor.

            Comentaria muitos outros textos interessantes, mas seria uma pilha de mini-resenhas de mini-textos, o que seria cansativo para o leitor, já que a minha escrita carece da mobilidade e do teor orgânico e diversificado de Cortázar, do qual esse livro é prova viva.

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