sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Conversas com Cortázar


Capa da edição atual, da Jorge Zahar
            É sempre bom encontrar livros que queríamos por um preço bem mais baixo, digamos, uns catorze reais a menos. Mas é melhor ainda se esse livro for muito interessante e, acima de tudo, se tratar de uma personalidade que nos encanta e desconcerta. Bom, falo no geral, no plural, porque acho que aconteceria o mesmo com todos que se aprofundassem nas leituras que faço. Mas, de qualquer jeito, pelo menos a mim é isso que Cortázar faz: encanta e desconcerta. Me impressiona de todas as maneiras.


            Vou escrever essa crítica bem informalmente – por isso já barrei, ali em cima, a ênclise – porque acho que destoaria do tom do livro que resenho se não fizesse assim. Falo de “Conversas com Cortázar”, um livro de entrevistas entre o jornalista uruguaio Ernesto González Bermejo e Julio Cortázar, que pelo tanto que já escrevi dele dispensa apresentações.


            A beleza do livro já começa pela capa: Uma foto em preto-e-branco de Cortázar com alguns envelopes na mão e uma bela arte no título dão uma aparência muito legal à capa desse livro, como se Cortázar estivesse nos aguardando, pensando previamente nas discussões que teremos nas páginas internas. Sim, porque como diz algum dos prefácios do livro, essa obra é uma chance de, de alguma forma, estar lá, durante as conversas, conhecendo um pouco mais de perto a grande mente de Cortázar.


            Há dois prefácios, um à edição brasileira e o prefácio do autor. O primeiro, escrito por Eric Nepomuceno, amigo tanto do entrevistador quanto do entrevistado, contém um erro: Nepomuceno se refere ao protagonista de “O jogo da amarelinha” como Bernardo Oliveira. Ou ocorreu um lapso momentâneo na ora do raciocínio ou Oliveira tem dois nomes, pois no livro o tratam, nas poucas vezes que seu nome é dito, por Horacio. Poderia ser um nome composto, mas Bernardo Horacio ou Horacio Bernardo não me parece um nome composto muito Cortazariano...


            Fora esse deslize, é um livro excepcional. Principalmente para quem quer compreender Cortázar mais profundamente, e não se agrada com textos críticos (nem procuro os que falem de Cortázar. Não admito que interfiram na minha interpretação de sua obra, afinal o próprio Julio queria a construção do livro pelo próprio leitor). É uma chance de saber, de fato, o que ele quis dizer, sem adivinhações de literatecos não interados com a feitura da literatura de fato. Mas Cortázar não é intransigente em seus depoimentos: é aberto a boas interpretações de suas obras, desde que contribuam para o entendimento das mesmas.


            Além de conversarem sobre literatura (diálogos interessantíssimos e muito esclarecedores sobre “O jogo da amarelinha” e “O perseguidor”, entre outros), o uruguaio e o argentino falam de Paris (Bermejo vivia lá, também, à época, exilado por conta da ditadura em seu país), sobre o fantástico (grandes momentos da conversa se desenvolvem sobre esse assunto), política, metafísica, ontologia, música... Apesar da divisão dos capítulos (artificial; Bermejo uniu quatro ou cinco conversas ao longo de anos em um texto corrido, dividido por capítulos) é difícil ver quando deixam um assunto para trás e ingressam em outro, porque o ritmo é fluido e, a despeito do clima um pouco formal, há a cumplicidade e a compreensão mútuas típicas de amigos.


            Há trechos em que, apesar da elegância e da descrição de Cortázar, ficam algumas críticas marcantes na memória: aos intentos de Todorov de descrever o fantástico e, principalmente, o silêncio acusador contra as atitudes políticas de Jorge Luis Borges.


            Eis um livro precioso para quem quer entender mais profundamente Cortázar e suas criações, suas convicções, suas frustrações. E, acima de tudo, as suas percepções invulgares. É mesmo como estar lá, um pouco escondido, no canto da sala, ouvindo aquela voz grave descrevendo e desenhando um novo mundo, de novos e mais conscientes homens.

2 comentários:

  1. Edição muito rara em espanhol, queridíssimo Gus: BERMEJO, Ernesto González. Revelaciones de un cronopio. Conversaciones con Cortázar. España: EDHASA, 1979. 168p. Diferentemente da edição em português, tem duas fotos famosas encartadas ao longo da obra. Saudações e PARABÉNS pelo belíssimo blog, Jana, a Baladão.

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  2. Janíssima Jana (cf. CORTÁZAR, DUNLOP & MONRÓS-STOJAKOVIĆ)!

    Lembro muito bem dessa edição, ainda que a tenha visto bem rapidinho. Estava contigo quando tu comprou, na Feira do Livro de uns anos atrás. Foi na banca da Calle Corrientes e tua felicidade em encontrar a edição ficava clara nos comentários ao Miguel - que era quem nos atendeu lá. Não lembro mais das fotos. O que elas têm de especial?

    Obrigado pelos comentários, Jana! São muito importantes pra mim, porque vêm de quem entende muito do assunto.

    Te mando um e-mail em breve, tá?

    Beijos e fique sempre à vontade no Morellianas!

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