quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nicarágua tão violentamente doce

Capa da edição da Brasiliense


Composto por 15 textos e uma foto, “Nicarágua tão violentamente doce” relata as experiências vividas por Cortázar nesse país da América Central ao longo de oito anos, de 1976 a 1983. Nesse período, a Nicarágua viva o fim de um regime ditatorial e o início da reconstrução democrática do país, então se pode imaginar o quão político os ensaios, crônicas e outros textos do livro são. A leitura será mais compreensível se o leitor buscar, antes de começá-la, informações sobre o regime somozista e a revolução sandinista.

            Os primeiros escritos do livro são um pouco chatos, porque Cortázar faz pouco mais que enaltecer a revolução e condenar o regime de Somoza, parecendo proselitista, às vezes. Aqui, ao contrário da maioria das outras coisas que escreveu, não há dúvida, não há o subjetivo. Sendo ele admirador de revoluções (da Cubana e de seus líderes, por exemplo) e do socialismo, e sabendo-se que ditaduras são invariavelmente tempos de terror, não é de se surpreender. Mas, nesses primeiros textos, falta o lado humano do povo, parece, ficando acima de tudo o ideal, a revolução per se. O que é uma pena, porque Cortázar sabia escrever muito bem sobre o aspecto humano. A exceção é o primeiro texto, “Apocalipse de Solentiname”, escrito ainda durante o regime somozista, que poderia parecer (e pareceu, como confirma o texto seguinte) ficcional, um conto. Aliás, um conto como os melhores do autor. Isso porque ele mostra outro aspecto da realidade, que não deixa de ser a mesma, além do aspecto retratado nos outros textos do livro (a vida cotidiana, a reconstrução do país, a luta pela vida). Não que eu esperasse um Cortázar do Fantástico aqui, mas sempre espero dos livros dele algo além do real ,do que os sentidos percebem e as emoções comunicam.

            Já no fim do livro, temos textos melhores. “Retorno a Solentiname” é o texto em que há uma ponta daquilo que senti falta nos primeiros textos do livro: a vida além da revolução, as coisas que nos acontecem e que nos surpreendem, e fazem da vida uma surpresa. Em seguida, “O escritor e sua atividade na América Latina” é um texto bastante consciente mas não excessivamente político sobre a função que o escritor deve exercer em termos de revolução, social e literária. Uma postura bastante louvável contra o isolamento dos intelectuais.

            Enfim, “Nicarágua tão violentamente doce” é um livro mais político que literário, mais social que ontológico. Para mim, seu maior mérito é retratar experiências e crenças sócio-políticas do autor.

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