Capa da edição da Nova Fronteira |
Sempre gosto de começar um novo romance do Cortázar, me dá uma sensação diferente daquela que me dá quando é um livro de contos, ou um “almanaque” (aqueles livros de miscelâneas pouco definíveis). Vai entender por que, mas tenho a impressão de que é porque nos romances do Cortázar os personagens se desenham mais em sua complexidade. Oliveira, Medrano, Juan...
E dessa vez eu tinha mais expectativas, porque o livro que estava prestes a começar a ler é “O livro de Manuel”, provavelmente o livro mais criticado do autor. Como já li em algum lugar, o pessoal que gosta mais do lado político-social do Cortázar não gostou do tom menos “sérios” do livro (do que eu entendo: Lonstein); o pessoal que gosta do Cortázar mais experimentalista e questionador ontológico não gostou do lado mais político da obra. Entrei nessa querendo saber qual é que era, quem tava com a razão.
Acho que, como diriam alguns personagens do Julio, péra lá, tchê! Não vamos exagerar. O livro é bom e não tem nada de excessos, nem por um lado, nem por outro (embora seja preciso estômago para ler os trechos em que se fala descritivamente de torturas). Há vida particular e há vida de militante político, como acontece com uma pessoa da vida real. Acredito que Cortázar conseguiu aqui unir em um só enredo seus dois maiores questionamentos: o existencial e o social.
A exemplo de outros romances de Cortázar, “O livro de Manuel” tem como protagonistas um grupo de amigos, nesse caso uma mistura de argentinos, franceses, um chileno, uma polonesa, um brasileiro... e vai-se saber o que mais, porque é tanta gente! Além de atividades políticas (que às vezes mais parecem happenings ridículos), o grupo se empenha em criar um livro para o menino Manuel, recortando e colando notícias que indicam a quantas anda o mundo durante a infância dele. No início, é daí que vem grande parte do teor político “sério” do livro.
Conforme a atividade política do grupo fica séria, aumenta a tensão emocional entre os personagens e a tensão de um personagem em especial: Andrés, que não sabe o que fazer quando lhe acontece um sonho que tem início e fim, mas, de certa forma, não tem meio. Essa é só parte do questionamento de Andrés, que fica dividido em vários planos de sua vida. Ele é um personagem interessante porque se contradiz, se nega e depois se reafirma. Como os personagens que citei lá em cima, no primeiro parágrafo, Andrés busca algo que não sabe exatamente o que é, mas talvez seja o que de todos esses personagens tem mais ímpeto de buscá-lo, ou pelo menos de dar o pulo final para alcançar o que deseja.
Além dele, me chamam a atenção Lonstein e Heredia. O primeiro porque talvez seja para “O livro de Manuel” o que Pérsio é para “Os prêmios”, uma espécie de vidente, alguém que consegue ver um pouco mais longe. Se bem que Lonstein diz mais bobagens que são apenas isso, bobagens, enquanto Pérsio tem certa sabedoria enigmática desde o início. Heredia me interessa porque apesar de ser brasileiro não tem quase nada de brasileiro, a começar pelo nome (sobrenome, acho). (Se quem me lê agora já leu “Exame Final” e “Diário de Andrés...” fique atento ao sobrenome de Andrés, que é dito rapidinho, em algum lugar no meio das mais de 400 páginas deste “O livro...”)
Daria para escrever muito mais, porque esse é um dos livros mais injustiçados de Cortázar. Se não o faço é porque não quero cansar ao meu leitor e a mim mesmo. Blup.
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