terça-feira, 28 de setembro de 2010

Papeles inesperados

Capa da primeira edição em espanhol, da Alfaguara

            Em 1984, morria Cortázar. Vinte e cinco anos depois, continua sendo encontrado material inédito do autor. É o caso do conteúdo de “Papeles inesperados”, encontrado pela viúva e testamentária de Cortázar, Aurora Bernárdez, em uma antiga cômoda, há alguns Natais atrás. “Papeles...” foi publicado no início de maio de 2009 pela editora Alfaguara na Argentina e na Espanha.
            O livro começa com um prólogo do filólogo Carles Alvarez Garriga, explicando brevemente o conteúdo do livro e como esses diversos textos foram reunidos em um volume – em princípio, todos os textos de Cortázar deveriam constar em sua Obra Completa, atualmente sendo editada pela editora Galaxia Gutenberg, mas depois de já editados alguns volumes, foram descobertos esses novos escritos de Cortázar. Alguns deles já haviam sido publicados (em revistas, em informes de órgãos políticos etc.), mas a maioria estava ainda inédita. Ficaria inviável reeditar uma obra completa que ainda nem foi inteiramente publicada; daí, portanto, a idéia deste novo livro.
            Toda a obra de Cortázar é heterogênea, e o mesmo aplica-se a este novo volume de escritos: há prosas e há poemas; há textos políticos e há contos; há crônicas (incluindo algumas muito tocantes sobre engraxates) e há auto-entrevistas; há textos apologéticos e há aqueles que são francamente inclassificáveis. Tudo isso com a marca do humor, da ironia, da sensibilidade e do senso crítico de Cortázar. Há também versões diferentes de relatos já publicados (como uma versão de “Relato com um fundo de água” anterior àquela publicada em “Final do jogo”) e novos capítulos de “Livro de Manuel” e “Um tal Lucas”, além de três novas e divertidas histórias dos cronópios.
            Pela já mencionada heterogeneidade dos textos, fica difícil traçar uma panorama de todo o conteúdo do livro, por isso, acho que o melhor é comentar os textos que mais se destacaram para mim. “Los gatos”, por sua tensão em torno de um possível incesto é um dos textos que mais me perturbou nesse livro (o que não necessariamente quer dizer, com todas as letras, agradar, mas é sempre um pouco isso quando se fala de textos cortazarianos perturbadores). A já anteriormente encontrada “Ciao, Verona” é uma continuação que contribuiu para e amplia os acontecimentos do texto “As caras da medalha”; unidos, os dois textos adquirem pungência, e é difícil não ter o coração apertado em certos momentos.
            Seria cansativo falar mais de um livro tão longo (ainda mais cansativo falar assim, com um estilo e uma organização tão precários, de um livro tão rico), mas quero deixar registrado o nome de outro texto, um dos que mais me emocionou: “El lento desplazarse de las constelaciones por tu piel”, escrito para Carol Dunlop, já depois de sua morte. Para alguém que, como eu, ama “Os autonautas da cosmopista”, essa declaração de amor que ignora as fronteiras da vida já faz valer todas as 488 páginas desse novo velho Cortázar.

P.S.: Algum tempo depois de eu escrever esta resenha, saiu a edição nacional de Papeles inesperados. Segue a capa:

Capa da primeira edição em português, da Civilização Brasileira

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