quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Octaedro


Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            Um dos livros de Cortázar cuja leitura pode ser mais enriquecida ou esclarecida pela leitura em paralelo de “Conversas com Cortázar” (já resenhado anteriormente por mim) é este de que falo agora: “Octaedro”. Não cabe entrar em detalhes, para não estragar possíveis conclusões de quem não leu um ou outro (ou os dois), mas isso precisa ao menos ser citado.


            “Octaedro” leva esse nome por conta de deus oito contos. O engraçado é que, ao mesmo tempo em que a forma geométrica se desenha, parece meio assimétrica. Isso porque os oito contos parecem ligados por uma unidade e contrapostos por nuances. Tudo varia em forma e conteúdo nesse dado de oito lados (impossível não lembrar de um dado de oito faces, eu que tanto joguei RPG), mas mesmo assim ele rola macio. Vejamos:


            O livro abre com “Liliana chorando”, cuja atmosfera me lembra a de “Senhorita Cora”, do livro “Todos os fogos o fogo”. Um homem está muito doente, à beira da morte, e imagina a vida que levará sua mulher depois de ele falecer. Suas conjeturas aprofundam-se e o autor usa, mais uma vez, a imaginação como peça fundamental do conto.


            “Os passos no rastro”, em seguida, é a história de um biógrafo que empreende longa pesquisa em busca da verdadeira história de um poeta argentino. O conto anda muito bem, muito suave, muito tranqüilo de ler até que os limites tornam-se difusos e a tensão adensa-se.


            “Manuscrito achado num bolso” é outra grande história que se passa em um metrô. Aqui o metrô é mais do que cenário, desempenhando papel importante na relação entre os personagens. Uma história triste, em que as formas das relações humanas se sobressaem a qualquer aspecto fantástico (o que lembra um pouco o romance “62 – Modelo para armar”). Convém manter o título em mente ao ler o conto.


            O quarto conto é “Verão”, no qual é difícil delinear o que é fantástico e o que é psicológico. Um casal recebe em sua casa uma garotinha, enquanto o pai faz uma curta viagem. Coisas estranhas acontecem durante a noite e a relação do casal se torna tensa e agressiva (as carícias de Florencio parecem agressões ao final do conto). O final, a meu ver, é representativo da relação.


            Depois, “Aí, mas onde, como”. Um nome estranho para um conto, mas o que se conta nele é mais estranho: um homem tem sonhos recorrentes com um amigo já falecido. O estranho de fato é que não só os sonhos são recorrentes, como a própria morte do amigo, que parece ao narrador sempre uma nova morte. Arrepiante conto, que cita, discretamente, a cidade de “62 – Modelo para armar”.


            “Lugar chamado Kindberg”, na seqüência, é meu conto favorito do livro, embora todos sejam muito bons. Homem encontra moça na estrada, embaixo de chuva, e lhe dá carona. A atmosfera do hotel e os pensamentos do protagonista foram muito bem textualizados por Cortázar, o que cria um envolvimento profundo entre leitor e texto. Final surpreendente, rodriguiano.


            A sétima face desse poliedro literário é “As fases de Severo”. Um conto bastante intrigante, por nos deixar entre o riso e o arrepio. Situações algo cômicas lembram aquelas um pouco absurdas de “Histórias de cronópios e de famas”, mas o aspecto emocional da situação de Severo e o ambiente da casa dão ao conto certa feição aterradora.


            O conto que encerra o livro é “Pescoço de gatinho preto”, que nos leva novamente ao metrô, onde ocorre um encontro (de mãos) que levará a uma relação interessante. O leitor fica no escuro (imersão no texto?) durante boa parte do conto, e aqui Cortázar usa muito bem a sua capacidade de desnortear quem o lê.

            É bastante complicado dizer o que é fantástico, o que é humano, o que é psicológico nesse livro: parece-me que Cortázar conseguiu uma boa tessitura, tão boa que a combinação dos três fios forma uma himagem homogênea (escrevi “imagem” errado e mantive, para homenagear Horacio Oliveira) e harmônica.

Um comentário:

  1. Acho que seu blog tá virando um tipo de vício para mim, mas eu me divirto tanto... :)
    Ainda não li Octaedro, mas vi um filme brasileiro baseado no conto "manuscrito achado num bolso", se chama "o jogo subterrâneo", te recomendo. E no filme nada acaba muito triste, não, muito pelo contrário. Mas os filmes estão sempre subvertendo os livros, né? Fazer o quê...
    Abraço.

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