domingo, 19 de setembro de 2010

O exame final

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira


            Não será a primeira vez que digo aqui que um livro de Cortázar me deixou confuso, mas talvez seja a primeira (e acho que é) que digo que um livro dele me angustiou. Terminar “O exame final” foi quase uma necessidade, uma necessidade de chegar ao fim de uma narrativa que deixa a gente desorientado e nervoso. Não chega a ser um livro de terror, é outra coisa, que é mais e menos do que isso. Talvez o melhor jeito de explicar seja contando um pouco do livro.
            Nesse livro, escrito em 1950 e só publicado em 1986 (em 1996 no Brasil) e ambientado na Argentina, o crescimento da tensão que atormenta os personagens é acompanhado pelo adensamento de uma neblina (névoa? Outra coisa?) nojenta que se espalha por toda Buenos Aires, durante dias em que dois personagens do grupo de cinco se prepara para prestar o exame final (daí o título) em uma espécie de universidade onde os livros são lidos em voz alta. Além disso, cresce, paralelamente, outra tensão: a da perseguição dissimulada de outro personagem, Abel, cuja relação com os protagonistas (Juan, Clara, Andrés Fava, Stella e o cronista) será entendida (se bem que o termo é um pouco exagerado) somente no decorrer do romance. Conforme Abel se aproxima, chega mais perto do dia do exame, que preocupa principalmente Clara, e também se torna mais insuportável o clima na capital argentina, com a neblina que parece, de alguma forma estranha, deixar o povo mais e mais perto de condições animalescas ou, pelo menos, pouco racionais, como por exemplo o culto a um caixão onde se vêem ossos, em praça pública, num lugar aparentado a um circo.
            Como se vê, há muita informação em “O exame final”. E tudo isso se intersecciona, se superpõe, se confunde: Abel é a névoa que é o exame que é os ossos... Não que cada coisa dessas seja a outra, mas há uma confusão tão forte nos pensamentos dos personagens que tudo acaba como uma grande mistura indigesta.
            Uma coisa que ajuda a compor esse sentimento de confusão mental dos personagens é a maneira como Cortázar organizou o texto, em termos de formatação. Digamos que ele começa assim uma frase e já não a
Sede, melhor pegar uma garrafinha d’água,
conclui ou talvez
não, melhor terminar isso primeiro.
até conclua, mas a entrecruza com textos que ficam alinhados ao outro lado da página, representando os pensamentos e, principalmente, a confusão mental.
É um texto que custou para que eu o conseguisse ler até o fim, por todos esses motivos que expus e acho que, pelo mesmíssimo motivo, deveria ser relido, em conjunto com “Diário de Andrés Fava”, que quase foi parte integrante de “O exame final”. E também cabe, acredito, prestar bem atenção ao personagem de Andrés, uma figura estranha na obra de Cortázar e, por isso mesmo, interessantíssima.

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