quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A volta ao dia em 80 mundos - tomo II

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira


            Como eu de certa forma esperava, o volume II de “A volta ao dia em 80 mundos” traz textos melhores do que os do primeiro volume, o que faz a leitura desse tomo muito mais agradável.

            Em “What happens, Minerva?” Cortázar discute os happenings artísticos e seu valor enquanto questionamento.

            Em seguida, temos dois textos sobre música: “Louis, enormíssimo cronópio” e “A volta ao piano de Thelonious Monk”. Nesses dois textos vemos Cortázar em grande forma. No primeiro deles, estreou o termo cronópio, como explica na nota introdutória. No segundo, mostra bem sua habilidade em maravilhar-se com as pequenas coisas, os pequenos atos.

            O quarto texto é “Com legítimo orgulho”, um conto com um quê de crítica aos hábitos longamente estabelecidos e pouco questionados: no caso, o recolhimento de folhas nos primeiros dias do outono em uma nação. Recado bastante compreensível apesar do teor ficcional do conto.

            “Para chegar a Lezama Lima” é um texto gigante para os padrões de “A volta ao dia...” e “Último round” (mais de quarenta páginas). Nesse texto, Julio analisa, critica e elogia a obra “Paradiso” do autor cubano José Lezama Lima. Análise tão boa que me fez ter vontade de ler o tal livro, que tem centenas e centenas de páginas.

            “A fogueira onde arde uma” é a única poesia do livro, e é daquelas típicas de Cortázar: sem o final dos versos. É interessante como com isso ele abre as possibilidades de interpretação do texto e, além disso, como inicia uma espécie de jogo, como se dissesse ao leitor: eu começo e você termina.

            “Relações suspeitas” é sobre um tema já bem discutido por outros autores, mas que recebe tratamento diferente aqui: os serial killers. Nesse texto, Cortázar propõe que exista um jogo recíproco entre assino e assassinado, de forma que as ações do segundo favorecem as do primeiro. E numa segunda parte do texto, discute-se a ligação de Jack, o estripador com a Argentina.

            “Estação da mão”, em seguida, é um conto com um quê de fantástico: um homem faz amizade com uma mão, um relacionamento como entre dois amigos ou entre um animal de estimação e seu dono. Um texto antigo de Cortázar que foi encontrado num quarto com coisas pouco usadas.

            “Tombeau de Mallarmé”é um texto sobre o ofício da tradução, em especial da tradução de poesias. Confesso que não entendi muito bem esse pequeno texto, talvez por me faltarem algumas referências culturais, ou por bloqueio inconsciente, já que eu devo ser tradutor mais adiante.

            “A carícia mais profunda”, que a princípio me pareceu meio aparentado a “Tua pele mais profunda” (de “Último round”), por conta do nome e dos desenhos anatômicos é na verdade a história de um homem que começa a afundar no solo, mas só ele parece notar. Um daqueles textos meio absurdos e bem humorados de Cortázar.

            “Do gesto que consiste em pôr o dedo indicador na têmpora e movê-lo como quem aparafusa e desaparafusa” é sobre os piantados, um grupo de pessoas que não são bem malucas, mas que tendem a ver as coisas com um pouco de heterodoxia e muito bom humor, para dizer o mínimo. Prefiro não chamá-los de birutas, mas sim de piantados mesmo, como é feito em “Autonautas da cosmopista”, onde há uma pequena porém bem precisa explicação dos piantados. É um texto bem divertido, mas pode também ser levado a sério, para fins de análise da percepção dos piantados.

            “Melancolia das malas” traz uma revelação surpreendente: Cortázar recebeu críticas por (segundo o crítico) não entender de Jazz, o que (ainda segundo o crítico) fica provado pelas passagens inconsistentes em que o Jazz aparece em “O jogo da amarelinha”. Foi uma surpresa pra mim. Mas Cortázar sai-se muito bem, aproveitando para explicar a diferença entre take e ensaio, ao mesmo tempo em que se justifica de alguma forma.

            Antepenúltimo texto do livro, “Viagem a um país de cronópios” se explica já em seu título. É sobre os cronópios  e suas viagens a um país onde finalmente conseguiram fazer seu, decretando aos famas e às esperanças que “se acabou”. Muito divertido e cheio de sentimento sem ser piegas, é um dos melhores textos do livro, pela simplicidade intrínseca e pelos risos que nos proporciona.

            “Morelliana, sempre” é um texto curto porém complexo, de teor metafísico, ontológico. Fala sobre como o mundo interior é o melhor caminho para chegar a compreender e relacionar-se melhor com o mundo exterior. Pode requerer mais de uma leitura para fixar as idéias desse texto.

            Fecha o livro “Toca do camaleão” sobre o poeta John Keats. O assunto mais interessante desse texto é a contradição, a contradição profunda que na verdade não chega a ser contradição, mas sim atos inerentes aos muito que somos, nessa e em outras realidades. Um ótimo texto.

            Ao fim de ao cabo, esse tomo II não é facilmente “mastigável”, mas me pareceu de leitura mais fácil que o volume anterior, além de ter textos mais bacanas.

2 comentários:

  1. Estava pesquisando as idéias do Cortázar em relação aos hapennings (para ver se achava algo além deste texto do Volta ao Dia) e seu blog apareceu logo em primeiro lugar no google. C faz idéia da dimensão do trabalho que vc realizou neste tempo? Alguém que quiser saber mais sobre Cortázar, que o estiver conhecendo, que quiser saber quem é. Todos poderão contar com seus textos, comentários, críticas.

    O Brasil ainda conhece muito pouco este monstro da literatura, você é uma porta de entrada para isso.

    Abs!

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  2. Olá, Diogo!
    Obrigado pelas tuas palavras. :) Fui fazendo os textos aos poucos, enquanto lia, porque sentia a necessidade de encontrar textos não acadêmicos para ler em seguida dos textos do JC - alguns pensamentos para contrapor aos meus, entende?

    Fico feliz que o blog possa ter toda essa importância que você diz. Esses textos são muito importantes para mim, porque tratam de um autor que, a meu ver, souber enxergar mais além.

    Peço a todos que, como puderem, divulguem o blog, postem o link dele em seus sites ou façam algo para divulgar esse espaço, para que cada vez mais pessoas possam conhecer as linhas de Julio Cortázar.

    Abraços!

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