quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Discurso do urso

Capa da edição atual, da Galerinha Record


            Se por um lado Cortázar pode ser visto como um autor complicado de se ler (enredos complexos e não-lineares, experimentação lingüísticas, temáticas inusitadas), por outro ele tem textos extremamente simples. É o caso de “Discurso do urso”, conto publicado em “Histórias de cronópios e de famas”. Há algum tempo o conto ganhou uma edição ilustrada: em teoria uma edição infantil, mas que vai ganhar a simpatia de adultos, também. Recentemente, chegou a edição nacional.

            O livro tem formato grande e as ilustrações bem coloridas são de Emilio Urberuaga. É enternecedor ler que o urso desliza pelos canos e ver os vibrantes desenhos de Urberuaga mostrando um urso peludo deslizando por canos azuis.

            É um livro que vou guardar para meus filhos, mas que também vou reler várias vezes, porque nunca se deixa de ser um pouco criança e porque, vai ver, existe um urso peludo deslizando no meu coração.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Papeles inesperados

Capa da primeira edição em espanhol, da Alfaguara

            Em 1984, morria Cortázar. Vinte e cinco anos depois, continua sendo encontrado material inédito do autor. É o caso do conteúdo de “Papeles inesperados”, encontrado pela viúva e testamentária de Cortázar, Aurora Bernárdez, em uma antiga cômoda, há alguns Natais atrás. “Papeles...” foi publicado no início de maio de 2009 pela editora Alfaguara na Argentina e na Espanha.
            O livro começa com um prólogo do filólogo Carles Alvarez Garriga, explicando brevemente o conteúdo do livro e como esses diversos textos foram reunidos em um volume – em princípio, todos os textos de Cortázar deveriam constar em sua Obra Completa, atualmente sendo editada pela editora Galaxia Gutenberg, mas depois de já editados alguns volumes, foram descobertos esses novos escritos de Cortázar. Alguns deles já haviam sido publicados (em revistas, em informes de órgãos políticos etc.), mas a maioria estava ainda inédita. Ficaria inviável reeditar uma obra completa que ainda nem foi inteiramente publicada; daí, portanto, a idéia deste novo livro.
            Toda a obra de Cortázar é heterogênea, e o mesmo aplica-se a este novo volume de escritos: há prosas e há poemas; há textos políticos e há contos; há crônicas (incluindo algumas muito tocantes sobre engraxates) e há auto-entrevistas; há textos apologéticos e há aqueles que são francamente inclassificáveis. Tudo isso com a marca do humor, da ironia, da sensibilidade e do senso crítico de Cortázar. Há também versões diferentes de relatos já publicados (como uma versão de “Relato com um fundo de água” anterior àquela publicada em “Final do jogo”) e novos capítulos de “Livro de Manuel” e “Um tal Lucas”, além de três novas e divertidas histórias dos cronópios.
            Pela já mencionada heterogeneidade dos textos, fica difícil traçar uma panorama de todo o conteúdo do livro, por isso, acho que o melhor é comentar os textos que mais se destacaram para mim. “Los gatos”, por sua tensão em torno de um possível incesto é um dos textos que mais me perturbou nesse livro (o que não necessariamente quer dizer, com todas as letras, agradar, mas é sempre um pouco isso quando se fala de textos cortazarianos perturbadores). A já anteriormente encontrada “Ciao, Verona” é uma continuação que contribuiu para e amplia os acontecimentos do texto “As caras da medalha”; unidos, os dois textos adquirem pungência, e é difícil não ter o coração apertado em certos momentos.
            Seria cansativo falar mais de um livro tão longo (ainda mais cansativo falar assim, com um estilo e uma organização tão precários, de um livro tão rico), mas quero deixar registrado o nome de outro texto, um dos que mais me emocionou: “El lento desplazarse de las constelaciones por tu piel”, escrito para Carol Dunlop, já depois de sua morte. Para alguém que, como eu, ama “Os autonautas da cosmopista”, essa declaração de amor que ignora as fronteiras da vida já faz valer todas as 488 páginas desse novo velho Cortázar.

P.S.: Algum tempo depois de eu escrever esta resenha, saiu a edição nacional de Papeles inesperados. Segue a capa:

Capa da primeira edição em português, da Civilização Brasileira

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Curta A casa tomada

Vanessa "Katrina", como eu leitora e admiradora do grande JC, que sempre me manda uma dica ou outra de conteúdo pro Morellianas, acaba de me passar os links para este vídeo abaixo, dizendo que é de amigos dela e que, vejam que bacana, o vídeo foi selecionado para um festival. Bom, chega de introdução. Ao filme, por favor!



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Diário de Andrés Fava

Capa da edição atual, da José Olympio
            Dá pra ler “O diário de Andrés Fava” sem ter lido “O exame final” antes, mas fica muito mais interessante se a gente o fizer. Isso porque “Diário...” foi escrito originalmente como parte integrante de “O exame final”. Cortázar decidiu tirar esses trechos do romance, mas os reuniu neste “Diário de Andrés Fava”.

            O conteúdo do livro é bastante diverso, mas de forma geral tem o mesmo tom do romance do qual se originou. Reflexões, citações, diálogos... tudo com muito teor cultural, filosófico, ontológico ou tudo junto de uma vez só e na forma de entradas de um diário mantido por Andrés. Tanto no romance como nesse seu apêndice (olhem como a palavra fica feia...) parece sempre que Cortázar fala sobre seus pontos de vista a respeito das coisas, inclusive nos diálogos em que as pessoas discordam, porque aí parece que são os vários pontos de vista do autor debatendo entre si.

            Embora o livro esteja cheio de textos curtíssimos (um parágrafo, às vezes só duas linhas...) dá para ver muita coisa boa nessa coleção de notas soltas: há uma descrição mais antiga de Abel, uma reflexão de Andrés que é praticamente o conto “Continuidade dos Parques” (depois dessa é difícil acreditar que Andrés não seja um alter ego de Cortázar), mais algumas informações sobre o estado metafísico de Andrés, embora não dê pra chegar a uma conclusão definitiva (vivo? morto?), as ações do romance vistas pelo seu lado (por exemplo, como ele reage quando Clara liga, convidando ele para o concerto etc.

            Realmente há pouco a falar sobre o livro, porque é curto, porque é rápido, porque às vezes é pouco compreensível (cheio de citações em francês – ainda bem que a versão nacional traz traduções; lotado de referências culturais), porque o mais interessante é mesmo conhecer a maneira como se (des)organizam os pensamentos de Fava e, pra isso, só lendo o livro, mesmo.

domingo, 19 de setembro de 2010

O exame final

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira


            Não será a primeira vez que digo aqui que um livro de Cortázar me deixou confuso, mas talvez seja a primeira (e acho que é) que digo que um livro dele me angustiou. Terminar “O exame final” foi quase uma necessidade, uma necessidade de chegar ao fim de uma narrativa que deixa a gente desorientado e nervoso. Não chega a ser um livro de terror, é outra coisa, que é mais e menos do que isso. Talvez o melhor jeito de explicar seja contando um pouco do livro.
            Nesse livro, escrito em 1950 e só publicado em 1986 (em 1996 no Brasil) e ambientado na Argentina, o crescimento da tensão que atormenta os personagens é acompanhado pelo adensamento de uma neblina (névoa? Outra coisa?) nojenta que se espalha por toda Buenos Aires, durante dias em que dois personagens do grupo de cinco se prepara para prestar o exame final (daí o título) em uma espécie de universidade onde os livros são lidos em voz alta. Além disso, cresce, paralelamente, outra tensão: a da perseguição dissimulada de outro personagem, Abel, cuja relação com os protagonistas (Juan, Clara, Andrés Fava, Stella e o cronista) será entendida (se bem que o termo é um pouco exagerado) somente no decorrer do romance. Conforme Abel se aproxima, chega mais perto do dia do exame, que preocupa principalmente Clara, e também se torna mais insuportável o clima na capital argentina, com a neblina que parece, de alguma forma estranha, deixar o povo mais e mais perto de condições animalescas ou, pelo menos, pouco racionais, como por exemplo o culto a um caixão onde se vêem ossos, em praça pública, num lugar aparentado a um circo.
            Como se vê, há muita informação em “O exame final”. E tudo isso se intersecciona, se superpõe, se confunde: Abel é a névoa que é o exame que é os ossos... Não que cada coisa dessas seja a outra, mas há uma confusão tão forte nos pensamentos dos personagens que tudo acaba como uma grande mistura indigesta.
            Uma coisa que ajuda a compor esse sentimento de confusão mental dos personagens é a maneira como Cortázar organizou o texto, em termos de formatação. Digamos que ele começa assim uma frase e já não a
Sede, melhor pegar uma garrafinha d’água,
conclui ou talvez
não, melhor terminar isso primeiro.
até conclua, mas a entrecruza com textos que ficam alinhados ao outro lado da página, representando os pensamentos e, principalmente, a confusão mental.
É um texto que custou para que eu o conseguisse ler até o fim, por todos esses motivos que expus e acho que, pelo mesmíssimo motivo, deveria ser relido, em conjunto com “Diário de Andrés Fava”, que quase foi parte integrante de “O exame final”. E também cabe, acredito, prestar bem atenção ao personagem de Andrés, uma figura estranha na obra de Cortázar e, por isso mesmo, interessantíssima.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Os reis

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            Que eu saiba, Cortázar produziu poucas peças de teatro, umas cinco no total. Quatro estão “Adeus, Robinson e outras peças curtas” e são de estilos variados e mais para modernas, tanto em temática como em forma de expressão. Bastante diferente nisso é “Os reis”, peça que completa sessenta anos de publicação em 2009 e é clássica tanto na forma como no conteúdo.
            As primeiras publicações de Cortázar possuem mesmo um estilo mais clássico do que outras porções de sua obra, mas talvez “Os reis” já o exemplo mais cristalino disso: nesse livro, Cortázar reconta o mito de Teseu e o Minotauro com uma beleza clássica nas falas dos personagens (aliás, convém conhecer um pouco a história da mitologia grega para saborear melhor o livro).
            Cortázar demonstra muito conhecimento, fazendo diversas referências histórico-mitológicas que podem até passar desapercebidas para quem só souber o básico da história do Minotauro. Embora a demonstração de conhecimento e erudição seja desestimulante em certas leituras aqui não é o caso, porque Cotázar não abusa dela e serve-se da mesma para dar um gosto arcaico ao texto – e aí de novo eu me vejo obrigado a falar em clássico.
            Claro que se fosse um clássico dos clássicos não seria um Cortázar. Mas aí é que está: este é um texto que pode se considerar como um dos mais clássicos de Cortázar (só agora me dei conta que pode não ter ficado claro o que quero dizer com clássico; entenda-se: aquilo que segue os padrões tidos como elevados). Um dos textos mais clássicos de Cortázar, mas ainda assim há a mudança do ponto de vista, o deslocamento até o centro do outro, a inovação no enredo.
            “Os reis” pode parecer, à primeira leitura, um livro bem comportado, mas nota-se nele indícios do grande cronópio, do grande buscador de novos caminhos, daquele Cortázar que quer romper com o velho, preservando o que dele é bom, e criar novos caminhos do labirinto, até por entre as paredes.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Alguém que anda por aí

Capa da edição da Nova Fronteira

            A menos que se descubra um novo livro de contos de Cortázar, acabo de ler o último livro exclusivamente de contos escrito por ele: “Alguém que anda por aí”. Pode não ser o último cronologicamente (“Alguém...” é de 1977), mas era o último que me faltava ler.
            “Alguém que anda por aí” é um livro com 11 contos e quase nada de “fantástico” (aquele velho rótulo que teria de ser lavado antes que a gente pudesse reconhecê-lo); aqui predomina o ser humano e suas relações.
            A abertura do livro é “Troca de luzes” uma história de amor entre um ator de rádio-novela e sua fã, que vê nele mais do que os vilões que ele representa. Eles se conhecem por meio de cartas que ela manda e ele responde. Em cima disso, Cortázar desenvolve uma história sobre como idealizamos as pessoas e os relacionamentos.
            “Ventos alísios” também tem um casal no seu centro, só que um casal que já se conhece há tempos; se conhece e se entedia um do outro, a ponto de fazer uma viagem, uma viagem diferente, para tentar sair dessa rotina, para buscar algo que os livre dos grandes hábitos coagulados – uma viagem que pretendem que lhes mostre a liberdade. O problema é o que fazer depois de vê-la.
            “Segunda vez”: aqui se desenrola uma história que pouco definível, mas na qual sabemos que, mais para lá, há o desconhecido, aquilo que se teme por não se saber o que é. Tudo isso num ambiente de... repartição pública, ou algo parecido.
            “Você se deitou a teu lado”, apesar de seu nome estranho, não tem a ver com crises de múltiplas personalidades ou deslocamentos pessoais: o título é um jogo com o uso voseo (uso, em espanhol, do pronome vos) e o do tuteo (uso, na mesma língua, do pronome tu, que denota mais intimidade), creio ter lido isso dito pelo próprio Cortázar. A história em si é sobre o vínculo mãe e filho quebrado em um veraneio em que o rapaz começa a mostrar os primeiros sinais mais claros de puberdade.
            “Em nome de Bobby” traz o universo infantil e o universo dos sonhos juntos (um universo de fronteiras nada delimitadas), nos deixando sem saber onde estamos pisando e no que acreditar; ou seja, tudo o que Cortázar sabe fazer bem. Basicamente, é a história de um menino que diz que a mãe, tão bondosa de dia, lhe maltrata à noite. A sorte dele é que tem uma tia atenciosa e carinhosa.
            “Apocalipse de Solentiname” já foi resenhado por mim, porque apareceu também no posterior “Nicarágua tão violentamente doce”. De qualquer forma, acho que cabe um adendo: esse é um grande conto de Cortázar, ainda mais quando a gente se dá conta de que tudo aquilo acontecia mesmo (eu já imaginava, mas depois de ler “O livro de Manuel” os horrores da tortura ficaram ainda mais gritantes).
            Seguindo: “A barca ou a nova visita a Veneza”. Sempre que pensar nesse conto vou pensar em “cansativo”. Isso porque tem mais de 40 páginas e, no meio da narração temos comentários de uma personagem. É claro que isso faz parte do que é interessante no conto, e que é explicado no prólogo por Cortázar: esse texto era antigo quando ele o reencontrou e decidiu publicá-lo. Achava o conto cheio de falhas, mas não se sentia no direito de reescrevê-lo, então o que fez foi deixar que uma personagem desse seu ponto de vista no decorrer da história. O enredo é sobre uma mulher (outra, não a dos comentários) que foge do que sente, buscando algo além. É interessante ver a relação que transparece entre as duas mulheres por meio dos comentários dessa cuja “intromissão” Cortázar permitiu.
            “Reunião com um círculo vermelho”, em seguida, compensa a extensão do conto anterior com suas razoáveis oito páginas. Se há algum conto em que há o Fantástico, ou o clima dele pelo menos, este é o conto. Originalmente publicado num catálogo de uma exposição do pintor venezuelano Jacobo Borges, nesse conto Cortázar descreve como Jacobo viveu (no conto, pelo menos) uma experiência digna em atmosfera a um filme de terror. E, mais, Cortázar nos conta como Jacobo sentiu o perigo que envolvia a moça da outra mesa e que precisava fazer algo. Um bom texto em que muito de Cortázar está presente (leia o texto e entenderá por que).
            “As caras da medalha” deve ter sido muito citado ultimamente, porque “Ciao, Verona”, conto inédito de Cortázar descoberto há algum tempo, tem ligação com este conto. Pelo menos é o que dizem, porque (ainda) não li “Ciao, Verona”. De qualquer forma, novamente em “As caras...” o tema é um relacionamento.  Apesar do título meio místico e do início meio confuso, é um conto bem “lúcido” (há que inventar um antípoda para o sujo “fantástico” que uso aqui...), que fala da incapacidade de se aproximar (não fisicamente) do outro, de conseguir estar verdadeiramente perto, com corpo e sintonia.
            O conto que dá título ao livro vem em seguida e é daqueles dúbios, que a gente não sabe bem como interpretar (e acho que ler isso deixaria Julio contente): às vezes parece falar de ação política, às vezes do sobrenatural, às vezes dos sonhos... O resultado é um texto menos compreensível do que admirável e interessante de ler. Resumo básico: Alguém (a gente não sabe quem) tem que fazer algo (a gente não fica sabendo o quê) em um determinado lugar (que, adivinhe... não ficamos sabendo qual é!), mas ao parar no motel para descansar, a música lhe faz companhia, de uma maneira mais densa do que ele esperava. Outro conto dedicado a um artista: esse é para a pianista cubana Esperanza Machado.
            Fecha o livro um relato de boxe, esse tipo de texto que Cortázar escrevia e que me agrada tanto sem que eu saiba por quê. No caso específico de “A noite de Mantequilla” há o relato de uma luta (organizada por... Alain Delon!) mas há mais: há uma ação pouco clara mas compreensível acontecendo em torno do evento. Apesar disso e do final que nos dá um frio na barriga, o que empolga mesmo nesse conto são as descrições do combate – sempre me surpreende o peso no texto ser proporcional aos dos golpes; mas parece que a velocidade é inversamente proporcional: e Cortázar transforma em dança tensa o combate, fazendo a gente pular, onde esteja, como se estivéssemos na platéia do combate.
            Acho que “Alguém que anda por aí” é simbólico de toda a obra de contos de Cortázar: tem muito menos “Fantástico” do que dizem por aí, e no fim é o ser humano e as ciladas que ele se impõe que importam. E o importante não é compreender, é sentir.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O livro de Manuel

Capa da edição da Nova Fronteira
            Sempre gosto de começar um novo romance do Cortázar, me dá uma sensação diferente daquela que me dá quando é um livro de contos, ou um “almanaque” (aqueles livros de miscelâneas pouco definíveis). Vai entender por que, mas tenho a impressão de que é porque nos romances do Cortázar os personagens se desenham mais em sua complexidade. Oliveira, Medrano, Juan...
            E dessa vez eu tinha mais expectativas, porque o livro que estava prestes a começar a ler é “O livro de Manuel”, provavelmente o livro mais criticado do autor. Como já li em algum lugar, o pessoal que gosta mais do lado político-social do Cortázar não gostou do tom menos “sérios” do livro (do que eu entendo: Lonstein); o pessoal que gosta do Cortázar mais experimentalista e questionador ontológico não gostou do lado mais político da obra. Entrei nessa querendo saber qual é que era, quem tava com a razão.
            Acho que, como diriam alguns personagens do Julio, péra lá, tchê! Não vamos exagerar. O livro é bom e não tem nada de excessos, nem por um lado, nem por outro (embora seja preciso estômago para ler os trechos em que se fala descritivamente de torturas). Há vida particular e há vida de militante político, como acontece com uma pessoa da vida real. Acredito que Cortázar conseguiu aqui unir em um só enredo seus dois maiores questionamentos: o existencial e o social.
            A exemplo de outros romances de Cortázar, “O livro de Manuel” tem como protagonistas um grupo de amigos, nesse caso uma mistura de argentinos, franceses, um chileno, uma polonesa, um brasileiro... e vai-se saber o que mais, porque é tanta gente! Além de atividades políticas (que às vezes mais parecem happenings ridículos), o grupo se empenha em criar um livro para o menino Manuel, recortando e colando notícias que indicam a quantas anda o mundo durante a infância dele. No início, é daí que vem grande parte do teor político “sério” do livro.
            Conforme a atividade política do grupo fica séria, aumenta a tensão emocional entre os personagens e a tensão de um personagem em especial: Andrés, que não sabe o que fazer quando lhe acontece um sonho que tem início e fim, mas, de certa forma, não tem meio. Essa é só parte do questionamento de Andrés, que fica dividido em vários planos de sua vida. Ele é um personagem interessante porque se contradiz, se nega e depois se reafirma. Como os personagens que citei lá em cima, no primeiro parágrafo, Andrés busca algo que não sabe exatamente o que é, mas talvez seja o que de todos esses personagens tem mais ímpeto de buscá-lo, ou pelo menos de dar o pulo final para alcançar o que deseja.
            Além dele, me chamam a atenção Lonstein e Heredia. O primeiro porque talvez seja para “O livro de Manuel” o que Pérsio é para “Os prêmios”, uma espécie de vidente, alguém que consegue ver um pouco mais longe. Se bem que Lonstein diz mais bobagens que são apenas isso, bobagens, enquanto Pérsio tem certa sabedoria enigmática desde o início. Heredia me interessa porque apesar de ser brasileiro não tem quase nada de brasileiro, a começar pelo nome (sobrenome, acho). (Se quem me lê agora já leu “Exame Final” e “Diário de Andrés...” fique atento ao sobrenome de Andrés, que é dito rapidinho, em algum lugar no meio das mais de 400 páginas deste “O livro...”)
            Daria para escrever muito mais, porque esse é um dos livros mais injustiçados de Cortázar. Se não o faço é porque não quero cansar ao meu leitor e a mim mesmo. Blup.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

La otra orilla

Capa da edição atual, da Punto de Lectura

            “La otra orilla”, com contos escritos entre 1937 e 1945 mas só publicado em 1994, é o único livro de contos de Cortázar que ainda não tem versão em português (levando em conta que por “livro de contos” a gente entenda aqueles que a Alfaguara reuniu em seus dois volumes de “Cuentos Completos”). E não dá pra entender por que.

            Talvez alguma obscura questão de custo de publicação, já que o livro tem, mais ou menos, 78 páginas, o que ia gerar um livro caro pro pouco número de páginas. Só que, mesmo sendo curto, o livro tem muitos contos: treze no total. Além disso, são contos muito bons, que mostram como desde jovem Cortázar tinha mão pra escrever como escrevia.

            Como típico de Cortázar, o livro é dividido em seções; mais especificamente, três: “Plagios e traducciones”, “Historias de Gabriel Medrano” e “Prolegómenos a la Astronomía”. Cada seção tem contos mais ou menos relacionados entre si (dá pra entender, né? Relações temáticas em Cortázar é um assunto que pode se estender muito), mas que ao mesmo tempo têm total independência. De forma geral, são contos curtos, o que me agrada, e com um potencial de impacto considerável. O brabo é que assim não dá pra falar muito dos contos, ou lá se vai a surpresa deles. Bom, vou fazer o meu melhor.

            A seção “Plagios e traducciones” começa com “El hijo del vampiro”, uma história sobre como um vampiro se apaixona e sobre o fruto que se origina dessa paixão. História curiosa porque não me lembro de figuras sobrenaturais aparecerem assim, tão claramente, em outros textos de Julio.

            O segundo conto é “Las manos que crecen”, uma história que já se conta um pouco em seu título: um cara bate em outro e depois começa a sentir suas mãos crescerem, crescerem, até arrastarem dolorosamente no chão. Desespero e limite entre as realidades são boa parte do recheio desse baita conto.

            “Llama ele telefono, Delia”, em seguida, conta a história de uma ausência, de alguém que se foi e de quem a protagonista já não tem mais notícias, até que lhe chegam algumas por um amigo em comum, notícias com conseqüências bem cortazarianas.

            “Profunda siesta de Remi” lida com os sonhos e aquela zona em que se misturam com a realidade de quando estamos acordados, tema sempre intrigante para o autor; aqui o personagem principal busca finalmente alcançar o que os sonhos lhe mostram.

            Fecha a primeira parte o conto “Puzzle”, interessantíssimo, entre outras coisas, por ser narrado em segunda pessoa. Usando o “usted” (acho que a noção de polidez e certo distanciamento se perderia na tradução para o português), Cortázar conta como eu (ou tu, no teu caso, quando tu ler esse conto) assassinei uma pessoa e como isso foi feito de tal maneira que foi quase o crime perfeito. O final é quase lugar comum, mas tem um algo a mais que o salva disso.

            Quem já leu “Os prêmios” (ou, quem sabe, leu meu texto sobre o livro) vai achar bem familiar o título da segunda seção de “La otra orilla”: “Historias de Gabriel Medrano”. Considerando que “Os prêmios” é de anos após “La otra orilla”, é interessante ver como a figura de Medrano já existia na cabeça de Julio antes de ele escrever a história do cruzeiro marítimo.

            O primeiro conto dessa seção é “Retorno de la noche”, onde há o relato de uma experiência de projeção astral ou algo parecido.

            O segundo, “Bruja”, traz de volta outra personagem de “Os prêmios – ou, pelo menos, alguém com o mesmo nome e mesma capacidade para confusão: Paula. Nesse conto, Paula é uma bruxa que consegue o que deseja bastando-lhe para tanto pensar com afinco no objeto de desejo. Dá gosto pensar que seja a mesma Paula que acompanha Medrano em “Os prêmios, porque assim a gente entende um pouco melhor o fascínio que ela exerce sobre os homens.

            No terceiro, “Mudanza”, Medrano não aparece, mas as coisas estranhas continuam a acontecer: um homem começa a reparar que sua rotina está mudando, a começar por certo quadro na parede... Até essa rotina sofrer uma mudança de verdade, com o sentido que damos à mudança de uma casa: um deslocamento para outro ponto de vista.

            O quarto, e último, dos contos da segunda seção é “Distante espejo”, no qual também não aparece Medrano. A exemplo de “Mudanza”, aqui também há, como uma ruptura na rotina, um deslocamento do ponto de vista; mas, chegando lá, o protagonista encontra-se consigo mesmo.

            A última seção do livro é “Prolegómenos a la Astronomía”, iniciada com o conto “De la simetría interplanetaria” que, por sua vez, começa com uma citação... do Pato Donald! Nesse conto algo irônico, o narrador conta como conheceu os farenses, extraterrestres que parecem ser bons, amáveis e cultos (de início, eles me fizeram lembrar dos cronópios), até que a relação deles com o messias da raça deixa perplexo o narrador...

            “Los limpiadores de estrellas”, em seguida, parece uma daquelas histórias dignas de integrar qualquer almanaque de autoria de Cortázar (“A volta ao dia em oitenta mundos” ou “Último round”), pelo seu teor lúdico-imaginativo (poxa, uma sociedade que limpa estrelas!), mas acaba com um tom mais próximo de um conto de “Bestiário”.

            “Breve curso de Oceanografía” tem esse mesmo tom dos dois contos anteriores, manejado tão bem por Julio. Nesse conto, conta ele como foi que uma raça extraterrestre que vivia na Lua Foi dizimada.

            Fecha a seção e o livro “Estación de la mano”, o mesmo que citei brevemente na minha resenha do tomo II de “A volta ao mundo...” A história é basicamente a mesma (acho que só um pouco mais bonita, porque ultimamente o espanhol tem me soado uma língua muito bonita) e o que há a mais é uma dedicatória logo após o título: A Gladys y Sergio Sergi. Reconheço, agora, que esse conto merece melhor resumo do que aquele que fiz na resenha mencionada acima. É uma bonita (e triste, como o são muitas das coisas bonitas) história sobre a confiança nos relacionamentos e a volta à mediocridade, depois de uma tentativa de viver de um modo mais solto.

            Enfim... repito: Não sei por que “La otra orilla” não tem versão em português, porque esse livro é Cortázar em grande forma!



            P.S.: Dica para o futuro tradutor desse livro: Não cometa o mesmo cômico erro que eu, achando que orilla é orelha – o que não fazia o mínimo sentido! Orilla, em espanhol, significa margem. Nunca confie demais em seu conhecimento do idioma!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

El lector de... Julio Cortázar

Capa da edição da Oceano

    Quando comecei a escrever essas resenhas, críticas ou seja-lá-o-melhor-nome-que-se-possa-dar-pra-isso, minha proposta era resenhar os livros do Cortázar, mas nada sobre ele, nada que não tivesse sido escrito por ele mesmo. Isso porque nunca me agradou muito qualquer texto crítico, pelo tanto de intromissão que um texto assim tem: “o autor quis dizer isso”, “tal aspecto representa indubitavelmente uma tendência X” etc.

    O que me fez abrir uma exceção foram, primeiramente, as circunstâncias sumamente cortazarianas em que encontrei meu exemplar de “El lector de... Julio Cortázar”, de Alberto Cousté. Não é todo dia que a gente encontra um livro assim (sobre a obra de um autor que não é de best-sellers nem é o queridinho dos intelectuais pedantes; e, além disso, uma edição importada da Espanha) aqui no Brasil, mesmo em grandes livrarias. Que dizer, então, de uma feirinha do livro (meia dúzia de bancas), numa cidade litorânea em pleno verão? Pois é, foi em Imbé/Tramandaí (vi numa, acabei comprando em outra, em outra feira do livro) que achei esse livro, que quase me passa despercebido!


    O segundo motivo é que esse não e um livro crítico, no fim das contas. O autor foi conheceu Cortázar e conseguiu captar bem o estilo não-acadêmico que convém a qualquer boa e honesta avaliação da obra do Julio.


    Apesar do meu fraco Espanhol, consegui ler tranqüilamente o livro e agora dá pra fazer uma apreciação bem livre, como convém a esse grande projeto/conversa de bar.


    Dividido em dez partes, o livro começa com seções mais introdutórias, dando informações não muito específicas, mas mais adiante há muita informação boa e nova para quem não tenha pesquisado mais a fundo a vida e a obra de Julio Cortázar. O livro termina com uma antologia, reunindo alguns textos do autor, e com uma interessante cronologia, além de uma correta lista das obras de JC.


    Os capítulos sobre sua vida e obra são os mais interessantes, sem dúvida. Neles, ficamos sabendo como Cortázar sustentava a casa, como detestava ensinar, entre outras coisas. Para mim foi novidade a figura de Ugné Karvelis, a segunda mulher de sua vida, entre Aurora Bernárdez e Carol Dunlop. Além de dados de sua vida, fica reiterada no livro a gigantesca cultura de Cortázar, como quando do episódio em que ele corrigiu uma tradução com base em conhecimentos lingüísticos, sem conhecer muito da língua de partida, o alemão.


    É tanta coisa que é difícil falar de tudo com coerência. A penúltima coisa que quero falar é dos textos em espanhol. É estranho, mas me parece que o espanhol é mais líquido que o português, com maior abundância de letras “l”. Não sei se é por isso, mas, por exemplo, ler “Ciclismo em Grignan” em espanhol parece uma experiência muito mais erótica.


    Ah, o livro tem alguns textos separados em quadros, o que achei bem bacana, porque contextualizam e ampliam as informações contidas no texto corrido.


    Mas o melhor mesmo desse texto todo é o trecho que dá mais informações sobre “Os autonautas da cosmopista”, o mais belo livro de Cortázar. Segundo Cousté, ambos autores estavam muito doentes, só que cada um deles só sabia da enfermidade do outro, o que fez com que pusessem todo seu coração na viagem, na última viagem juntos*. Me arrepio só de pensar.


    Enfim, “El lector de... Julio Cortázar” não é uma biografia definitiva, nem uma análise definitiva, mas é com certeza uma boa maneira de se aproximar da obra e da vida do cara. E de se emocionar tanto que depois a gente, quando vai escrever um texto sobre isso, só escreve bobagem.

*Ok, teve a Nicarágua depois, mas quase não conta.

domingo, 12 de setembro de 2010

Divertimento

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira

            Dizia um professor meu que a gente só consegue traduzir bem aquilo que entendeu bem. E se essas conversas de bar em formato textual são uma tradução (e, se a gente for bem abrangente nas coisas, tudo é uma tradução) eu não sei bem o que vai sair dessa vez. Porque depois de ler “Divertimento” eu não fiquei com aquela sensação que romances rasos deixam na gente, aquela sensação de tudo mastigadinho. Pra ser sincero, ainda continuo me perguntando algumas coisas; de maneira que aviso: não esperem um resumo linear.

            Comecei a ler “Divertimento” achando que encontraria uma história sobre (ou que pelo menos envolvesse) o Carnaval. Vai ver isso foi condicionamento das informações que encontrei na internet sobre o livro, mas a verdade é que, fora o nome e a capa, não tem a ver com Carnaval, até que surjam outras interpretações que me convençam. Bom, tem outra coisa a ver, sim: foi escrito no Carnaval de 1949, ou seja, lá se vão sessenta carnavais, já que li esse livro agora, Carnaval de 2009.

            Como outros livros de Cortázar, temos aqui um grupo de amigos unidos pelos debates sobre arte e cultura, um grupo do qual faz parte também um gato (que, como o próprio gato de Cortázar, tem nome de gente famosa) e temos ainda a arte como força deflagradora da grande ação do livro.

            Basicamente, o conflito se desenvolve quando em torno de uma pintura, que parece ser uma previsão do futuro. Essa idéia é reforçada por uma espécie de mago/espírita que, a certa altura do livro, junta-se ao grupo, adensando o clima do romance (embora a orelha do livro fale em nouvelle).

            Esse, o espiritismo (por falta de termo melhor...), é um tema pouco tratado em Cortázar e, só por isso, a leitura de “Divertimento” já vale a pena. Mas tem mais: junto com o tema, vemos crescer a tensão ao longo do texto, conforme o mistério vai se estendendo ou enrolando (imagem bem adequada...). Nos momentos mais tensos, vemos personagens violentos e usando palavrões (o que não é lá muito comum em Julio).

            A atitude final de Inseto pode ser mais um impulso a essa gratuidade de agressões, mas também serve como contrapeso para o lado mais espiritual do texto.

            É, acho que ficou claro que, se tem algum sentido a mais no livro, eu não o pesquei. Quem sabe perguntando pra Eufemia...

sábado, 11 de setembro de 2010

Um tal Lucas

Capa da edição da Nova Fronteira

            Se por um lado “Um tal Lucas” é um livro de contos, por outro é um romance, por um outro é um diário, por um quarto é um e por muitos outros é um montão de coisas diferentes.

            O recheio dessa obra são textos em sua maioria curtos (uma ou duas páginas), divididos em três partes (I, II e III – mais uma vez Cortázar não demonstra lá muita imaginação na hora de nomear as partes do livros que escreve) bem-humorados, cáusticos às vezes e que contêm mais palavrões do que o comum em Cortázar (que são bem poucos – e a, bem da verdade, aqui aparecem só alguns “filho da puta” e “puta que pariu”, mas ainda assim é mais do que o geral da obra do cara).

            A parte I fala de Lucas e começa com um ótimo texto em que Lucas se vê como uma hidra, dono de cabeças que quer decepar – isso tudo metaforicamente, claro. Além disso, nessa primeira parte a gente fica sabendo como Lucas lida com questões como o patriotismo, literatura e o ensino (foi professor de Espanhol na França). Nessa parte a gente começa a conhecer como é Lucas, suas tendências a cronópio e piantado.

            A parte II não tem Lucas como personagem. Ou melhor dizendo, eu até acredito que tenha, mas ali no meio da coisa toda, não explícito. De forma que Lucas é mais uma presença quase imperceptível do que um personagem que protagonize os episódios. Nessa parte encontram-se textos que lembram alguns com o melhor estilo de “Histórias de cronópios e de famas” e “Último round”. Alguns exemplos são “Como se passa ao lado”, em que a gente descobre que os gatos são telefones (é, telefones), “Nadando na piscina de ‘gofio’” e “Maneiras de estar preso”. Aqui há tremenda liberdade e, parece, é onde Cortázar teve mais liberdade de viajar na maionese para escrever o que lhe desse na veneta. Há também um bom texto de crítica política: “Um pequeno paraíso”, que nos conta que há um país em que o povo vive orgulhoso por levar na corrente sangüínea uns peixinhos dourados.

            Na parte final, voltam as histórias sobre (e com Lucas). Nesses últimos contos, ficamos sabendo que esse senhor já septuagenário tem extrema vergonha dos barulhos que faz no banheiro, tem muitos amigos cronópios e engraxa estranhamente os sapatos. Conforme o livro vai chegando ao fim, tenho impressão de que os textos se tornam mais cheios de significado, mais próximos de nos dar a certeza de que Cortázar tem muito de Lucas (e muito bem vice-versa). Temos, por exemplo, “Lucas, suas discussões partidárias” em que o tal discute com amigos a velha questão da literatura puramente inteligível. Em “Lucas, seus sonetos”, aparece um soneto de Lucas que se pretende quase um palíndromo – pode ser lido no sentido inverso, mas ele tem outro sentido quando lido assim. Há uma tradução para o Português que, segundo Lucas, foi feita por Haroldo de Campos (e eu me pergunto se isso é verdade, porque, segundo uma nota, Lucas e Haroldo eram amigos). Interessante texto, tanto pelo conteúdo narrativo como pela experiência poética.

            Dois dos últimos textos finais são meus favoritos do livro, um pouco por destoarem do tom de galhofa do resto do livro, sendo mais sérios (mas mão totalmente, claro). “Lucas, suas longas caminhadas” fala da distância e acho que serve de metáfora para a velocidade com que as coisas acontecem em um relacionamento. E, especialmente, “Lucas, seus hospitais (II)”, que parece falar de um Lucas totalmente Cortázar, de uma Sandra totalmente Carol Dunlop, de uma Ursinha. Talvez não seja, talvez seja uma cosmoviagem de um autonauta admirador em especial de um certo livro de Julio, mas, então e ainda assim, é um lindo texto.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fora de hora

Capa da 2ª edição, da Nova Fronteira

            E o primeiro conto do livro põe em xeque a descrição que eu acabei de dar. Isso porque “Garrafa ao mar” talvez não tenha em “conto” a sua melhor descrição. Esse texto (sempre que me falta uma boa maneira de especificar, volto ao básico) terá mais impacto para quem já leu “Queremos tanto a Glenda” (conto do livro homônimo, publicado no Brasil como “Orientação dos gatos”), embora essa leitura não seja indispensável, porque temos um breve resumo desse em “Garrafa ao mar”. Trata-se de um relato de Cortázar que diz ter recebido uma “resposta” ao conto de “Orientação...”, vinda direto de Glenda Garson, ainda que por meios bastante heterodoxos. Um pouco assustador até, ou, no mínimo, um bom motivo para pensarmos em certas “coincidências”.

            O segundo conto tem um tema já tratado por Cortázar anteriormente, embora de maneira um pouco diferente: a relação da personagem com a pintura. Em “Fim de etapa”, diferentemente de “Orientação dos gatos” (agora falo do conto, não do livro), a personagem se depara com pinturas que são mais que a representação da realidade – ou será que a realidade é representação das pinturas? Uma grande tensão dirige a personagem ao final do conto, uma espécie de paroxismo de um processo.

            Outro mundo que aparece com alguma freqüência nos escritos de Cortázar é o mundo do boxe, ambiente do conto que aparece na seqüência no livro. “Segunda viagem” conta a história de Mario Pradás e de Ciclone (Ciclón, no original) Molina, ex-sparring de Pradás, mas especialmente de Molina, aliando as descrições empolgantes dos golpes, dos movimentos, das vitórias a um ambiente de mistério, de estado alterado de consciência (Ciclone sempre tem de esperar um certo momento da luta em que esse estado chega para então conseguir lutar com todo seu potencial) e a um final um pouco assustador. Daria um bom roteiro para filme de boxeador!

            “Satarsa”, quarto conto do livro, é outro conto em que Cortázar consegue entretecer duas coisas que lhe interessam: palíndromos e luta por liberdade. Um grupo de pessoas foge dos que tentam capturá-los, e os palíndromos (coisas que lidas de trás para frente lêem-se do mesmo modo) servem como jogo e reflexão. Me lembrou, não sei porque, o clima de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez. Acho que pelo lugar meio inóspito onde vivem os personagens desse pungente conto.

            O quinto conto é “A escola de noite”, no qual dois colegas decidem invadir à noite a escola onde estudam, apenas para ver como é o local durante o tempo e quem não há inúmeras pessoas transitando por lá. No entanto, acabam descobrindo que outros já estão lá, jogando seus estranhos jogos. Assustador pela possibilidade de que possa mesmo acontecer, em algum lugar do mundo.

            O conto que dá nome ao livro é o mais intimista de todos, na linha de, por exemplo, “Os venenos”, ambos contando uma paixão da infância. No caso de “Fora de hora”, trata-se da paixão de Aníbal por Sara, a irmã mais velha de seu melhor amigo. Anos mais tarde, reencontram-se e então ele pode declarar-se. Bonito de ver como Cortázar consegue falar dos sentimentos mais puros, que são sempre os sentimentos do primeiro amor. Tenho uma interpretação diferente das que encontrei nas propostas de análise do conto: a de que Aníbal sonha o encontra com Sara, e que só lhe resta depois disso voltar à vida medíocre que leva.

            “Pesadelos” é um conto bem conduzido em que convivem e se entrecruzam o estranho e a situação de turbulência política. Uma moça cai doente e entra em coma, deixando a família ainda mais tensa em meio a um contexto de luta política (ou pelo menos foi o que entendi, vai ver que estou condicionado, já) acerca do qual não faz questão de se inteirar. O estado da moça piora, com tremores repentinos que parecem acompanhar os tiros e sirenes que se ouvem na rua. Tensão crescente explodindo em ironia nas últimas linhas.

            Para fechar o livro, “Diário para um conto”, que é um pouco de cada, um conto e um diário sobre o processo de composição de um conto. Vemos o escritor (parece ser o próprio Cortázar) se preocupando em como dizer as coisas, mas no fim já não sabemos se há distância entre narrador e personagem.

            Enfim, é o fim. Parece que escrevo cada vez pior e com menor habilidade para tornar interessante o que escrevo. Espero que relendo pareça melhor. Se não, vai ser complicado fazer as outras resenhas com esse sentimento de faltar palavras para contar os livros de Cortázar.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nicarágua tão violentamente doce

Capa da edição da Brasiliense


Composto por 15 textos e uma foto, “Nicarágua tão violentamente doce” relata as experiências vividas por Cortázar nesse país da América Central ao longo de oito anos, de 1976 a 1983. Nesse período, a Nicarágua viva o fim de um regime ditatorial e o início da reconstrução democrática do país, então se pode imaginar o quão político os ensaios, crônicas e outros textos do livro são. A leitura será mais compreensível se o leitor buscar, antes de começá-la, informações sobre o regime somozista e a revolução sandinista.

            Os primeiros escritos do livro são um pouco chatos, porque Cortázar faz pouco mais que enaltecer a revolução e condenar o regime de Somoza, parecendo proselitista, às vezes. Aqui, ao contrário da maioria das outras coisas que escreveu, não há dúvida, não há o subjetivo. Sendo ele admirador de revoluções (da Cubana e de seus líderes, por exemplo) e do socialismo, e sabendo-se que ditaduras são invariavelmente tempos de terror, não é de se surpreender. Mas, nesses primeiros textos, falta o lado humano do povo, parece, ficando acima de tudo o ideal, a revolução per se. O que é uma pena, porque Cortázar sabia escrever muito bem sobre o aspecto humano. A exceção é o primeiro texto, “Apocalipse de Solentiname”, escrito ainda durante o regime somozista, que poderia parecer (e pareceu, como confirma o texto seguinte) ficcional, um conto. Aliás, um conto como os melhores do autor. Isso porque ele mostra outro aspecto da realidade, que não deixa de ser a mesma, além do aspecto retratado nos outros textos do livro (a vida cotidiana, a reconstrução do país, a luta pela vida). Não que eu esperasse um Cortázar do Fantástico aqui, mas sempre espero dos livros dele algo além do real ,do que os sentidos percebem e as emoções comunicam.

            Já no fim do livro, temos textos melhores. “Retorno a Solentiname” é o texto em que há uma ponta daquilo que senti falta nos primeiros textos do livro: a vida além da revolução, as coisas que nos acontecem e que nos surpreendem, e fazem da vida uma surpresa. Em seguida, “O escritor e sua atividade na América Latina” é um texto bastante consciente mas não excessivamente político sobre a função que o escritor deve exercer em termos de revolução, social e literária. Uma postura bastante louvável contra o isolamento dos intelectuais.

            Enfim, “Nicarágua tão violentamente doce” é um livro mais político que literário, mais social que ontológico. Para mim, seu maior mérito é retratar experiências e crenças sócio-políticas do autor.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A volta ao dia em 80 mundos - tomo II

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira


            Como eu de certa forma esperava, o volume II de “A volta ao dia em 80 mundos” traz textos melhores do que os do primeiro volume, o que faz a leitura desse tomo muito mais agradável.

            Em “What happens, Minerva?” Cortázar discute os happenings artísticos e seu valor enquanto questionamento.

            Em seguida, temos dois textos sobre música: “Louis, enormíssimo cronópio” e “A volta ao piano de Thelonious Monk”. Nesses dois textos vemos Cortázar em grande forma. No primeiro deles, estreou o termo cronópio, como explica na nota introdutória. No segundo, mostra bem sua habilidade em maravilhar-se com as pequenas coisas, os pequenos atos.

            O quarto texto é “Com legítimo orgulho”, um conto com um quê de crítica aos hábitos longamente estabelecidos e pouco questionados: no caso, o recolhimento de folhas nos primeiros dias do outono em uma nação. Recado bastante compreensível apesar do teor ficcional do conto.

            “Para chegar a Lezama Lima” é um texto gigante para os padrões de “A volta ao dia...” e “Último round” (mais de quarenta páginas). Nesse texto, Julio analisa, critica e elogia a obra “Paradiso” do autor cubano José Lezama Lima. Análise tão boa que me fez ter vontade de ler o tal livro, que tem centenas e centenas de páginas.

            “A fogueira onde arde uma” é a única poesia do livro, e é daquelas típicas de Cortázar: sem o final dos versos. É interessante como com isso ele abre as possibilidades de interpretação do texto e, além disso, como inicia uma espécie de jogo, como se dissesse ao leitor: eu começo e você termina.

            “Relações suspeitas” é sobre um tema já bem discutido por outros autores, mas que recebe tratamento diferente aqui: os serial killers. Nesse texto, Cortázar propõe que exista um jogo recíproco entre assino e assassinado, de forma que as ações do segundo favorecem as do primeiro. E numa segunda parte do texto, discute-se a ligação de Jack, o estripador com a Argentina.

            “Estação da mão”, em seguida, é um conto com um quê de fantástico: um homem faz amizade com uma mão, um relacionamento como entre dois amigos ou entre um animal de estimação e seu dono. Um texto antigo de Cortázar que foi encontrado num quarto com coisas pouco usadas.

            “Tombeau de Mallarmé”é um texto sobre o ofício da tradução, em especial da tradução de poesias. Confesso que não entendi muito bem esse pequeno texto, talvez por me faltarem algumas referências culturais, ou por bloqueio inconsciente, já que eu devo ser tradutor mais adiante.

            “A carícia mais profunda”, que a princípio me pareceu meio aparentado a “Tua pele mais profunda” (de “Último round”), por conta do nome e dos desenhos anatômicos é na verdade a história de um homem que começa a afundar no solo, mas só ele parece notar. Um daqueles textos meio absurdos e bem humorados de Cortázar.

            “Do gesto que consiste em pôr o dedo indicador na têmpora e movê-lo como quem aparafusa e desaparafusa” é sobre os piantados, um grupo de pessoas que não são bem malucas, mas que tendem a ver as coisas com um pouco de heterodoxia e muito bom humor, para dizer o mínimo. Prefiro não chamá-los de birutas, mas sim de piantados mesmo, como é feito em “Autonautas da cosmopista”, onde há uma pequena porém bem precisa explicação dos piantados. É um texto bem divertido, mas pode também ser levado a sério, para fins de análise da percepção dos piantados.

            “Melancolia das malas” traz uma revelação surpreendente: Cortázar recebeu críticas por (segundo o crítico) não entender de Jazz, o que (ainda segundo o crítico) fica provado pelas passagens inconsistentes em que o Jazz aparece em “O jogo da amarelinha”. Foi uma surpresa pra mim. Mas Cortázar sai-se muito bem, aproveitando para explicar a diferença entre take e ensaio, ao mesmo tempo em que se justifica de alguma forma.

            Antepenúltimo texto do livro, “Viagem a um país de cronópios” se explica já em seu título. É sobre os cronópios  e suas viagens a um país onde finalmente conseguiram fazer seu, decretando aos famas e às esperanças que “se acabou”. Muito divertido e cheio de sentimento sem ser piegas, é um dos melhores textos do livro, pela simplicidade intrínseca e pelos risos que nos proporciona.

            “Morelliana, sempre” é um texto curto porém complexo, de teor metafísico, ontológico. Fala sobre como o mundo interior é o melhor caminho para chegar a compreender e relacionar-se melhor com o mundo exterior. Pode requerer mais de uma leitura para fixar as idéias desse texto.

            Fecha o livro “Toca do camaleão” sobre o poeta John Keats. O assunto mais interessante desse texto é a contradição, a contradição profunda que na verdade não chega a ser contradição, mas sim atos inerentes aos muito que somos, nessa e em outras realidades. Um ótimo texto.

            Ao fim de ao cabo, esse tomo II não é facilmente “mastigável”, mas me pareceu de leitura mais fácil que o volume anterior, além de ter textos mais bacanas.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A volta ao dia em 80 mundos - tomo I

Capa da edição atual, da Civilização Brasileira
            Logo que a editora Civilização Brasileira publicou no Brasil os livros “Último round” e “A volta ao dia em 80 mundos”, de Julio Cortázar eu quis comprar um dos dois (sabe como é, dois livros divididos em dois tomos cada... comprar os quatro tomos de uma vez era financeiramente inviável), um pouco pelo afã de ter algo novo em folha e um pouco pelo meu costumeiro gosto pelas coisas que ele escreve. As capas dos volumes de “A volta...” foram mais apelativas (cara, que azul bonito!) a mim, mas, seguindo um conselho da minha amiga cronópia Janaína Baladão, comprei “Último round”. Agora que li o primeiro tomo de “A volta ao dia em 80 mundos” acho que o conselho da Janína e minha subseqüente decisão foram acertados.

            Não que esse livro seja ruim, não me entendam mal. Mas acho que – e veremos se mantenho o que digo depois de ler o tomo II – “Último round” é melhor e prepara o leitor para a leitura de “A volta...”. Nesse último, encontramos mais idéias complexas do que no outro, existem menos contos no meio dos textos complexos e mais citações em francês (ou pelo menos é o que me indica minha inabilidade de ler satisfatoriamente nesse idioma). Ou seja, o sujeito precisa fazer mais esforço mental.

            Está certo, está certo... Cortázar nunca foi pra acomodados! As obras dele sempre supuseram participação e quase “decifração” por parte do leitor. Mas ele cita muitas leituras que fez, faz muitas referências a movimentos culturais, artistas e intelectuais (pelo menos Saussure eu conhecia), coisa que ou o sujeito pára a leitura e vai lá pesquisar, interrompendo o ritmo, ou passa meio por cima, mesmo.

            Vamos ver se consigo explicar melhor falando de cada texto individualmente:

            “Assim começa” é o texto introdutório do livro. Já aí a gente vai ver o tanto de pensamento que tem que organizar para compreender a leitura do livro: são citados, com ênfase, Man Ray, Robert Lebel e Antonin Artaud, entre outros (como Mallarmé e Charlie Parker, e esses eu conhecia). É o suficiente para dar um nó inicial na cabeça do leitor.

            “Verão nas colinas”, logo em seguida, tem um trecho interessante e engraçado, chamado “Mais sobre gatos e filósofos”, em que se explica a origem do nome do gato de Cortázar e, mais importante, onde se revela que esse seria o nome de um gato a aparecer em “62: Modelo para armar”.

            Mais adiante, “Tema para São Jorge” é uma história daquele tipo que Cortázar sabe fazer como ninguém: um homem sempre vê um monstro em cada novo local que trabalha, sempre um monstro diferente, formado pela soma de pequenas coisas do ambiente de trabalho e dos colegas (piadas, charutos). É antes uma boa metáfora do que um conto fantástico. Um bom conto do livro.

            “Da seriedade nos velórios” é um texto com algumas anedotas seguidas de uma reflexão sobre o tratamento dado ao humor pelos escritores argentinos e “Do sentimento do fantástico” é um texto quase teórico, mas com doses de humor e com exemplos da literatura.

            Em “- Eu poderia dançar essa poltrona – disse Isadora”, Cortázar conta a história de um Adolf Wölfli, criminoso louco que, no hospício, começa a produzir arte. Wölfli cria coisas que são mais de uma coisa – obras que são o que são e, ao mesmo tempo, outras coisas, bem diversas: uma cidade que também é bolachas, que também é cerveja, que também é Sankt Adolph. A partir disso, a reflexão de Julio é que todas as coisas podem ter sido também outras – por exemplo, um evento histórico que também foi a nossa torrada no café da manhã de ontem.

            Passando rapidamente pelos textos seguintes, em “Um Julio fala do outro” Cortázar fala de seu amigo, o pintor Julio Silva, sob a “observação” de outro Julio, Julio Verne (um dos autores favoritos de Cortázar. “A volta ao dia em 80 mundos” teve como inspiração no título e na noção de viagem o livro “A volta ao mundo em oitenta dias”, de Verne); “Aumenta a criminalidade infantil nos Estados Unidos” é um dos poemas de Cortázar de que mais gostei e o título dispensa maiores explicações.

Daqui em diante, da metade do tomo para frente, o livro melhora, fica menos intelecto e mais sensações.

“Sobre a maneira de viajar de Atenas a Cabo Súnio”: texto sobre como a memória prega peças na gente e como às vezes a gente acaba ficando com coisas na memória que não foram o que a gente viveu, mas o que os outros nos contaram.

“Diálogo com maoris”: mais uma vez a temática das coisas que juntas formam não só a reunião de todas, mas alguma outra coisa, diferente e externa (vê-se isso também em “Último round”).

“Noites nos ministérios da Europa” é um conto (finalmente um!) ilustrado por pinturas de Paul Delvaux, o que combina bem com o clima de mistério. Muito bom conto, especialmente porque não é difícil imaginar o próprio Cortázar como protagonista do conto (o protagonista também é tradutor).

“De outra máquina celibatária” é provavelmente o texto mais... incomum... de “A volta...” Conta como Cortázar conheceu um certo Juan Esteban Fassio que criou uma máquina de ler “O jogo da amarelinha” – dotada de botões, gavetas com uma cama ao lado, para maior conforto. As ilustrações são desenhos da máquina. Só não entendi por que Cortázar refere-se ao capítulo 55 de “Amarelinha” como “o capítulo emparedado”.

O intérprete de tango Carlos Gardel é assunto de “Gardel”. Um dos poucos textos em que Cortázar discorre sobre o tango (refletindo sobre a situação do tango à época de Gardel e à época em que o texto foi escrito), estilo que não era lá muito de sua preferência, pelo que já li em seus depoimentos.

Estamos quase no fim e aparece “Não há pior surdo que aquele que”. Apesar de bem escrito e com alguns trechos engraçados, é bastante incisivo em suas críticas a certos tipos de posturas literárias. E ele também critica as traduções, como culpadas por parte da falta de qualidade literária. Até entende-se que em 1967 a concepção de tradução ainda residia na equivalência... Mas Cortrázar era ele próprio um tradutor, devia saber que a tradução pode ser boa ou ruim, mas que depende de quem a executa e que, pode, sim, manter ou recriar aspectos além dos meramente informativos, como o rítmico, por exemplo.

O melhor texto do livro (acho que é um conto, mas nesses livros de textos tão diversos fica difícil precisar...) na minha opinião vem logo depois: “Você tem que ser realmente idiota para”. O texto mostra como é bom ser isso que os outros chamam de idiota, como é bom ser capaz de se encantar com as coisas que os outros teimam em explicar, em compreender, em analisar. Como é bom apreciar infinitamente o espetáculo da noite, maravilhado, enquanto os outros se preocupam em dizer “mas o figurino...” ou “mas a coreografia...”. Como é bom gostar das coisas assim!

Antes de terminar com algumas citações, o livro apresenta três historinhas simpáticas, intituladas coletivamente de “Duas histórias zoológicas e outra quase” (são elas “Sociedade anônima”, “Por escrito galinha uma” e “Sobre a solução de controvérsias”). Histórias engraçadinhas e ternas, ao estilo “Histórias de cronópios e de famas”.